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Como Músicos Passaram a Depender da Internet para Divulgar seus Trabalhos

6 de março de 2024

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Drazen Zigic

No final da primeira década dos anos 2000, os rappers Emicida e Fióti passavam horas em estações de metrô e portas de faculdade na cidade de São Paulo. O objetivo era vender mixtapes produzidas por eles em casa. Eram CDs queimados e embrulhados em papel que custavam apenas 2 reais.

Mesmo com a importância de divulgar o trabalho no boca a boca, Emicida já reconhecia o papel que a Internet tinha no impulsionamento de sua carreira, realizando a distribuição gratuita de faixas online e alcançando milhões de visualizações em webclipes.

O cenário mudou muito desde então. No último ano, as plataformas de streaming foram responsáveis por 63% do consumo de música em todo o mundo. Os dados são da IFPI (Federação Internacional da Indústria Fonográfica). De acordo com o mesmo relatório, a música comprada em CDs, vinis e DVDs representa apenas 9% do consumo mundial.

Os artistas independentes ficam cada vez mais dependentes do cenário digital no Brasil, país com quase 130 milhões de usuários ativos nas redes sociais, segundo análise da Comscore em 2023.

Bruno Martins, co-fundador das empresas Milk Music, Shake Music e membro da Associação Brasileira da Música Independente, comenta sobre como a evolução do marketing digital pode auxiliar um músico independente na divulgação de seu trabalho. “É revolucionário o artista ter o poder de falar com seus fãs sem depender de terceiros, sem depender de marketing, de gravadora, de intermediários ou ainda sem precisar ser carta por carta”. 

Ainda assim, Bruno alerta para a fragilidade dessa dependência pelas redes sociais. “Quando ele está na rede social, depende de filtros de algoritmo. Se o Instagram mudar alguma coisa, ele está ferrado. Ou até mesmo se as músicas dele saírem do TikTok, como é o caso de vários artistas da Universal”, reforça.

A partir disso, o Desconhecido Juvenal conversou com artistas independentes que precisam lidar com a mudança de cenário no consumo de música para mostrar como eles usam as redes sociais para a divulgação de seus trabalhos.


Faço música pra todas as cabeças fudidas

Foto: Divulgação

A artista Fabrizzia Milione, criadora da persona Mulher de Bigode, produz um Comedy Rock de humor quebrado, politicamente incorreto e terapêutico. Acumulando mais de 25 mil seguidores entre o Instagram e o TikTok, está prestes a lançar seu primeiro EP, “Mulher Antimanicomial”. Com um forte sotaque carioca, Fabrizzia começou sua carreira digital no YouTube e no Instagram com um cover de “Watermelon Sugar”, do Harry Styles. Aproveitando o hype, enfiou uma melancia na cabeça e gravou o vídeo dentro de sua piscina vazia.

Mulher de Bigode afirma que, na época, o conteúdo teve mais de 600 comentários, mas garante que recebeu muitos elogios e poucas oportunidades. "Eu acho que essa espera que o artista tem de o telefone tocar pra ser chamado pra fazer alguma coisa acaba a partir do momento que você tira o cabo do telefone, dá um foda-se pra aquilo e começa a se produzir pra maior vitrine de todas, que hoje em dia é a Internet”, conta.

Questionada se sente que a temática das suas músicas se relaciona com o crescimento das redes sociais, ela responde que vivemos em tempos de uma positividade tóxica profunda. “Essa essa positividade tóxica tem como berço a Internet, o digital. O assassinato das emoções é constante na Internet”. Diz ainda que a Internet é um palco de censura cruel. “Das censuras que sempre existiram ela não é muito diferente do que já passou por aí. A gente não tem nem tempo, a gente pisca e a competitividade do scrolling não deixa a gente pensar nem sobre nós. A mulher antimanicomial nasce a partir disso tudo, de um cenário de uma militância que é feita de uma muitas vezes errada, esvaziada”.

Mulher de Bigode diz ainda que existe uma competição muito grande por atenção na Internet. “O digital torna o trabalho mais democrático, mas a competição fica mais acirrada e você precisa, além de ser um compositor, de um cantor, de um musicista, aprender a entender o seu trabalho como um produto e você como uma empresa. Uma empresa que precisa falar em nome do seu conteúdo e que precisa entender andar com a locomotiva da atualização das plataformas das redes sociais. ‘Ah mas a arte não é sobre isso’. É o caramba. É o escambau. Os artistas precisam também comer, comprar roupa, fazer a manutenção dos instrumentos. Não sejamos hipócritas”.

Jovem inseguro vivendo no futuro

Foto: Divulgação

Garbo é um cantor paulista que alavancou sua carreira produzindo música eletrônica sentimental dentro do próprio quarto. Ele conta em sua conta do TikTok que, quando criança, se inscreveu para um programa de jovens talentos no SBT. Inicialmente não contou para os seus pais. Mas, com a aprovação da emissora, recebeu o apoio da família. Foi com a participação na televisão que Garbo começou a sonhar em seguir a carreira artística.

O cantor lançou em 2023 a versão deluxe de seu álbum mais recente, “Não faça o que eu faço”, e acumula mais de 96 mil seguidores entre Instagram e TikTok. Apesar disso, não deixa a Internet influenciar explicitamente suas composições. “Acredito que minhas letras também poderiam ser sentidas nos anos 1980, 1990. São letras românticas, melancólicas, simples. Falo de situações que nossos pais passaram e a gente passa até hoje”, afirma.

O artista conta que desde o começo corre atrás de divulgação online. “Lá em 2017, entrava em contato com portais de música, mandava meu release, não me cansava enquanto não era notado. Sempre fui atrás do contato, melhorei a abordagem, até que um dia comecei a ser publicado por esses portais. Acredito que agora, no cenário atual, Instagram e TikTok são as melhores plataformas para espalhar um som por aí, de forma orgânica, ainda mais se forem usadas de forma criativa e com propósito”.

Para ele, cair nas graças do algoritmo é a maior dificuldade para um artista na era digital. “Tem tanta coisa sendo lançada, tanta gente igual, o segredo é continuar fazendo um bom trabalho, melhorando a cada lançamento, criar um laço com quem te acompanha”.

O músico conta que não costuma impulsionar conteúdos e compartilha tudo de forma orgânica. “Acho interessante impulsionar em algum lançamento ou algo do tipo, mas teu conteúdo do dia a dia precisa ser orgânico. Só assim esse laço que falei ali é possível”.

Ainda sobre divulgar suas músicas na Internet, o cantor conta como precisou se virar para entrar em contato com o público. "No começo não tinham tantos artistas fazendo isso, então era tudo muito novo. Lembro de sempre estar perto de artistas independentes trocando contatos de portais”, relata. Vivendo em uma geração digital, Garbo mostra como artistas que ele conheceu na Internet também influenciaram o seu estilo musical. “Conhecer a Jaloo em 2014 foi um divisor de águas pra mim. Só existo enquanto Garbo por conta dela. Eu nem sabia que era possível fazer o que faço até conhecê-la".

A arte de viralizar

Foto: Divulgação

Pedro Muriel é vocalista do duo paulista de música eletrônica Two Internet Ghosts. Inspirados por Depeche Mode, Nine Inch Nails e Boy Harsher, eles acumulam quase 70 mil streams na faixa “Mr. Lawrence” no Spotify. O cantor conta que a ideia inicial do grupo era falar sobre as relações parassociais e temáticas de Internet, mas avalia que o assunto acabou se perdendo no trabalho. Ainda assim, garante que a carreira da dupla é totalmente determinada pelos fatores da Internet, tornando-se a única forma que eles conseguem existir hoje.

Pedro até chegou a imprimir alguns lambe-lambes pra colar na rua, mas desconfia da eficácia desse método. “Eu gosto dos lambes porque eu acho legal andar na rua e ter uma imagem criada por nós. Eu acho que as pessoas que frequentam esses lugares e talvez já tenham ouvido falar da gente, provavelmente vão nos reconhecer ali na parede. Não sei se é uma forma, hoje em dia, eficaz de poder divulgar o nosso trabalho”.

Com isso, as redes sociais acabam sendo o principal canal de divulgação. “Infelizmente é. Eu queria que não fosse. Eu sempre lembro da época que os artistas tinham que ir atrás de um DJ com uma fita e ele tocava o seu som. Se o DJ gostasse, tocava regularmente. Isso tá super morto hoje em dia. Essa ingenuidade e facilidade para se comunicar com um DJ, com um jornalista. Isso acabou morrendo no processo”.

Pedro conta que o duo viu um potencial diferente em “Mr. Lawrence”, uma faixa gravada com equipamentos analógicos e muito elogiada pelos fãs e amigos. Foi então que o vocalista teve a ideia de colocar a música no fundo de vídeos aleatórios que viralizaram no Twitter — ou X — para que mais pessoas ouvissem. "A gente colocou num vídeo que era um carro invadindo um aeroporto e esse vídeo foi compartilhado. As pessoas copiaram o vídeo na intenção de pegar o engajamento para o perfil delas, só que ninguém tirou a música do fundo porque as pessoas não achavam que a música era um artista brasileiro tentando se autopromover", afirma o cantor.

“A gente teve um aumento bem grande nos streams. Mas eu acho que o maior resultado foi como as pessoas foram atrás para me seguir e sempre interagem com os trabalhos da banda. A gente conseguiu fãs mesmo”, relata. Pedro conta ainda que viu as pessoas mais interessadas em ouvir o que eles tem a dizer. “Isso é o que eu sempre queria. Eu não ligo tanto assim pros streams. Eu acho que o tipo de música que a gente faz não é necessariamente o tipo de música que ganha muito stream”.

"Eu não sei se eu fui o primeiro a fazer isso de botar as músicas em vídeos aleatórios assim. Provavelmente não, mas a minha tática é mais pra enganar as pessoas mesmo. Para fazer as pessoas ouvirem. Bastante gente que eu conheço faz isso hoje em dia. Talvez nem tanto quanto eu porque eu sou meio cronicamente online"

O músico acha que ser um artista independente é muito concorrido, “no sentido de quem chama mais atenção dentro daqueles cinco segundos que você precisa pra prender a atenção da pessoa. Isso é um inferno porque a gente é artista independente. Acabamos tendo que responder a limitações artísticas e criativas por conta dos algoritmos e também porque os nossos conteúdos às vezes não aparecem para as pessoas. Então temos que fazer o que a gente pode para que as pessoas pelo menos ouçam. Acabamos dependendo muito das outras pessoas e não só da nossa vontade de ir atrás”.


O Desconhecido Juvenal quer ouvir você, artista independente, sobre a sua relação com as redes sociais e como elas influenciam a sua carreira. Mande uma DM pro @desconhecidojuvenal respondendo a pergunta: qual a importância da Internet para a divulgação de suas músicas e agendamentos de show?

Ouça Mulher de Bigode, Garbo e Two Internet Ghosts:

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