
Entrevista
Em meio a grande quantidade de prédios de luxo e construções históricas, no nobre e conservador bairro Vila Mariana, encontra-se um pequeno espaço, que apesar dos seis meses de vida, carrega uma longa história de enfrentamento. A ideia de se sentir indesejado em algum lugar pode soar assustadora em geral, mas não para o Bar Motim.
30 de agosto de 2025
Lola Mend
Lola Mend
Matheus, o dono do espaço, saiu de um trampo engravatado numa empresa e num meio tão careta. Formado em Economia, se viu imerso em um mundo de ternos e gravatas — o completo oposto do que viveu em sua adolescência, repleta de rebeldia e transgressão. Não se sentindo integrado ao mundo corporativo, quando chegou ao seu limite, decidiu que precisava fazer algo que o preenchesse.
O Motim surge, então, dessa mistura de um sentimento de pertencimento com a necessidade de consolidar uma renda — uma esperança de juntar o útil ao agradável, pra trazer satisfação profissional e pessoal a Matheus. Assim, o Bar Motim passou a representar um novo estilo de vida, pra ele e sua família, ao se depararem com uma possibilidade fora da curva.
O Motim, hoje, é mais do que um comércio. Criar um espaço acolhedor, respeitoso e, claro, divertido é prioridade pra ele.
““Um dos momentos mais felizes pra mim foi no aniversário de uma mina trans (comemorado no bar), que me abraçou e falou: ‘Você não tem noção do quão longe eu tenho que ir de casa pra me sentir bem num lugar — e aqui é perto da minha casa. Eu poderia ter aberto o bar em outros lugares, como na Santa Cecília, onde é mais a cara daqui. Mas eu acredito que espaço de ocupação só existe se você estiver ocupando, e não seria uma ocupação se você se sente bem-vindo — e eu não sou bem-vindo aqui.”, relata Matheus.
Um lugar que incomoda, indaga e que não se deixa entregar pela pressão dos vizinhos. Em apenas 6 meses de existência, já acumula chamados da polícia, denúncias para a vigilância sanitária e reclamações, na esperança da elite da paulistana local conseguir retomar a mesmice do bairro — a monótona valorização da riqueza e classe. O sentimento de não-pertencimento se alimenta quando o Bar Motim se vê em um bairro que valoriza o exclusivismo, a segregação daqueles que diferenciam e principalmente, reforça a intolerância com tudo aquilo que Matheus acredita, mas que segundo ele, vale a pena defender.

Hall de entrada do bar, com parede ocupada por lambes feitos por artistas frequentadores do espaço. Foto: Lola Mend
Na busca pelo imóvel, Matheus idealizou um sobrado, onde poderia tocar o bar no andar de baixo e viver com sua família no andar de cima — onde futuramente viriam morar mais pessoas, como Suelen, que também trabalha no bar. Essa ideia de trabalho-lar para Matheus foi a melhor alternativa, “Quando decidimos abrir o bar, minha mina ‘tava grávida já. A primeira decisão que tomei foi a de que tinha que ser um sobrado, porque não posso ficar longe do meu filho, voltando tarde da noite pra casa [...] juntando minha vontade de ocupar esse espaço social num bairro que eu gosto, com a minha necessidade de viver uma vida sem ter carro na cidade de São Paulo também”.
Pensar em um conceito de cena musical sem citar o comum pólo de casa de shows e bares alternativos — em Pinheiros, ou Faria Lima, onde se concentra grande parte dos espaços que abrigam a cena — é um tanto complicado. A ideia de ocupar, principalmente em um lugar que não se é esperado, se torna não só um ato de resistência, mas um abrigo para aqueles que desvirtuam do “padrão” e buscam novos horizontes — inclusive os próprios moradores do grande epicentro conservador, Vila Mariana, vez ou outra se veem curiosos sobre esse pontinho colorido e vibrante no mapa local, tão diferente dos outros bares na região.
No evento "Motim Popular", Matheus abre espaço pra qualquer artista que queira expor. A entrada é franca, voltada pra um público que quer consumir cultura, trocar, vivenciar. O bar flui como um espaço de acolhimento, construindo uma relação de igual pra igual — juntando arte e social, sem hierarquia.
“Dinheiro, pra mim, não é a parte que importa, mas sim a identidade do bar, a luta e a visibilidade dele.” — firmando o compromisso com a militância e com a construção de um espaço que não seja só comercial, mas político.
As comandas do bar, os quadros, os lambes — tudo tem autoria. Tudo foi feito por alguém e por quem: o nome tá lá, no canto, seja @ ou onde encontrar. A ideia é valorizar quem cria, dar nome e espaço pra quem, muitas vezes, é apagado.
As bandeiras penduradas no teto e nas paredes também têm função. Servem como filtro de quem frequenta o bar. São um aviso, um posicionamento claro, pra afastar quem não compactua com os ideais da luta. Ajuda a manter longe pessoas preconceituosas e tudo aquilo que não cabe ali dentro.

Fotografia tirada durante o evento "Batalha dos Beats", que segue a mesma linha aberta e democrática do "Motim Popular", mas voltado para apresentação de batidas digitais. Foto: Lola Mend
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