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Artista brasiliense retorna aos palcos após hiato e deixa claro uma infinidade de influências.
19 de abril de 2025
Vito Forini (@_.ilegas) e Pedro Penteado (@pe.penteado)
Paulo Patrício (@httpaulo)
Sexta-feira, 11 de abril. No anexo suado do Mamãe Bar, Marina Mole ressurgiu das cinzas na cena independente paulistana como quem retorna de um exílio interior. Com uma guitarra Gianinni Supersonic e uma banda que parecia saída de um delírio coletivo, a artista brasiliense apresentou o repertório do inédito "Azucrim".
Por volta das dez da noite, Marina Mole caminhava entre cabos, risos e sons em teste. No rosto, a maquiagem de palhaço ainda fresca. Nos olhos, uma pontada de cansaço místico, daqueles que vêm de longe — não só de Brasília, onde nasceu, mas de dentro de si. Marina tem esse quê de entidade errante: um anjo caído no meio da Barra-Funda, uma ex-mordedora de coleguinhas que hoje grita por meio de uma Gianinni.
O nome — um quase-acidente etílico entre Maria Mole e a saudade de um traçado brasiliense — virou persona e alter ego. “Não foi algo que eu escolhi”, conta. “Quando eu vi, as pessoas já me chamavam assim. E pronto. Não teve mais volta”. E também não teve mais volta para a música, que surgiu da poesia — sua primeira escola — e da insistência dos amigos que viam nas palavras um canto engasgado.
Marina Mole exorcizando seus demônios no microfone. Foto: Paulo Patrício
Depois de um hiato que parecia definitivo, Marina retorna aos palcos com o mesmo ímpeto de quem, aos cinco anos, mordia os colegas para suportar o mundo. Só que agora, ao invés de dentes, ela tem uma guitarra. E a guitarra virou refúgio, extensão, catarse. “Eu sempre tive que lidar com a raiva de alguma maneira. A guitarra é uma ótima forma de explodir sem machucar ninguém.”
Essa nova fase tem nome, e é quase mitológica: “Azucrim”, o disco que ainda não nasceu, mas que já existe em show e espírito, e que está programado para ser lançado ainda neste ano. Um nome que carrega azul e zumbido, anjo e apócrifo. “É um anjo que briga com Deus. Um anjo que precisa descer à Terra e viver experiências. Eu me sentia assim”, explica. O azul, obsessão de longa data, virou filtro cromático da dor e da criação. É uma trilha de retorno.
No palco, Marina não está sozinha. A banda é um quarteto montado por afeto e frequência — desses que se unem pela oscilação emocional mais do que por técnica. Tem o Cleo, na bateria, parceiro antigo e fiel, Vitor Wutzki na sua guitarra minimalista e flutuante e Monch Monch no baixo. Este último parece saído da mesma escola infantil onde Marina aprendeu a morder. “A Marina que mordia crianças na escola seria amiga do Monch”, ela brinca.
O Palhaço e o Circo. Foto: Paulo Patrício
Na receita do som que sobe ao palco é possível ouvir cada influência de Marina. Um caos harmônico, onde o Surf Rock brota espontaneamente da madeira do instrumento e amarra um mar sujo de Shoegaze, de Brian Jonestown Massacre, Jesus and Mary Chain e de um Garage Punk que veio de Lima, com os Los Saicos, e encontrou guarida na Santa Cecília.
É ali, entre a Martim Francisco e a Frederico Abranches, que Marina espera que o fantasma atravesse a rua. “Independente do que aconteceu, eu vou continuar, eu vou me machucar de novo. E foda-se, a vida é isso.”
As músicas sem solo abriam os caminhos para uma abordagem mais focada na dinâmica. Crescentes que decolavam com esmero, mas sem deixar a urgência de lado. Cada ataque uma nova pulsação. É aí que o The Cramps aflora, com a voz de Marina, meio maluca, dando certa teatralidade no palco que se confundia com um picadeiro e combinava com a adoção da maquiagem de palhaço. Talvez a coincidência que trouxe a maquiagem azul meio colombina pro segundo show do quarteto tenha sido mais que feliz. Talvez tenha dado um charme de melancolia que contrapõe o som acelerado.
O público-amigo também se mostrou essencial para o show. O conforto de tocar para muitos rostos que se amontoavam perto do palco, mas que não pareciam tirar o frio na barriga de se apresentar. Essa presença massiva de conhecidos também deu uma certa vivência rockstar para Marina. O Desconhecido Juvenal abordou a cantora para a entrevista fora da casa e teve um caminho um pouco atribulado pelos admiradores que paravam Marina para parabenizá-la. Algo natural visto a animação que a banda deixou após o bis.
A maquiagem de Marina: Um acidente feliz? Foto: Paulo Patrício
A maquiagem de palhaço que usou naquele show não foi planejada: foi sonho de amiga, sinal diabólico, e talvez uma nova persona em teste. “Encarnar o palhaço também tem os seus preços”, ela diz. Mas Marina Mole parece disposta a pagá-los.
E se você perguntar quem é o novo público dela, ela ainda não sabe. Está aprendendo a reconhecer as faces no escuro das plateias. Por enquanto, os amigos são sua primeira audiência. E também seu motivo. “Essas músicas não existiriam se eles não existissem. Eu já tentei parar de fazer música várias vezes. E eles sempre me puxam de volta”.
Entre o palco e os bastidores, Marina transita com o estoicismo de quem já viu o outro lado da cena. Trabalha com assessoria, com lançamentos, com a parte que não brilha. Isso dá a ela uma lucidez brutal. “Já fiz muita divulgação com nomes gigantes e ninguém tava nem aí. Isso me fez ter uma confiança maior de que eu tenho que fazer as coisas do meu jeito mesmo. Foda-se quem tem mídia”.
Nessa cancha de assessora, Marina atravessa o caminho das pedras com um pé calejado. Sem se deixar levar por expectativas irreais, fórmulas mágicas para o sucesso. Sabe que precisa ter confiança no taco e trabalhar. Afinal, é preciso tirar “Azucrim” do papel.
É desse foda-se que nasce o milagre. Um milagre que tem cheiro de suor, som de reverberação suja, e cor — sempre — azul.
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