Cobertura
Às vésperas de álbum novo, power trio entrega ritual musical visceral no Cafundó e propõe reflexão sobre som, política e pertencimento na cena independente.
10 de abril de 2025
Vito Forini
Vito Forini e Lua Belle
Um passo apressado e desatento pela Rua Teodoro Sampaio, na capital paulista, talvez não notasse que uma casa de shows se esconde diante do Largo da Batata e bem ao lado de um motel. Trata-se do Cafundó. Desde 2024 na ativa, o espaço vem passando por reformas contínuas — uma parede derrubada ali, outra erguida aqui, luzes, decorações, móveis.
Depois de tantas mudanças, o portão protege agora uma pista de dança com sinuca que convida tanto a passos improvisados quanto a jogadas arriscadas, além de uma área de show temporariamente reduzida por um ‘incidente climático’. Mas nada — nem mesmo a queda de parte do telhado — foi capaz de impedir o Cafundó de abrir mais uma noite. Desta vez, com o power trio Guaribas.
Nascido como "Guaribas e os Incorretos” na época da escola, o grupo existe desde 2014. Tendo passado por diversas formações, atualmente é formado pelos fundadores Will Kimura na guitarra, Matheus Goes no baixo e Theo Amorim na bateria e voz. O grupo se caracteriza por uma verdadeira colagem sonora e transita por diferentes estilos dentro de uma mesma faixa, indo de solos de guitarra à la David Gilmour até levadas que exaltam Nação Zumbi.
Com três singles e dois EPs lançados, a banda planeja para 2025 o seu primeiro álbum completo. Segundo os integrantes, o trabalho vai explorar mais a canção, “mas sempre com um pézinho no torto” e tocando de forma direta os temas humanos.
O trio que levou a noite: Matheus, Theo e Will, respectivamente. Foto: Vito Forini
Se fora do palco a banda leva semanas para finalizar uma música, bastam alguns segundos para tudo começar ao vivo. Com os instrumentos prontos e uns breves alôs no microfone, a levada groovada se irrompe e pega um público desprevenido.
Efeitos de guitarra e o rufar da bateria conduzem a um riff seco acompanhado do baixo bem marcado. Dentro dessa estrutura de swing sólido, uma surpresa. Em meio ao instrumental, surge uma voz... É o baterista que canta — e é sua voz que dá melodia à letra de “Boas vindas”.
Numa sensação que se repetiria ao longo da noite, o caminho até o tema é torto. Viradas de bateria, contornos dissonantes de baixo e um solo de guitarra antecedem o refrão, celebrado pela galera. Aplausos, gritos, festa. E o repertório segue em frente.
Um Baião tortuoso com toques de Rock Progressivo se transmuta num Samba groovado que, como um passista bêbado, não percebe o atropelo iminente. A profusão embaralhada de gêneros musicais traduz o processo criativo da banda, que nasce de jams livres, e vai ganhando letra, riff e melodia. Distorções pesadas e blast beats de um metal desolador levam a um impacto onde emerge um refrão pausado — e, em certos pontos, apressado, lembrando Chico Science. Ouvidos e mentes deliram com a sonoridade e os sentidos de “Entortação”.
Os integrantes, uniformizados, observam o público formar um mosh e, logo em seguida, puxam uma baladinha tranquila — como se brincassem com a violência e a banalidade da colisão de corpos recém-provocada.
Psicodelia, mais Samba e Metal embalam a apresentação. Até mesmo Dancing Music tem sua vez em “Dance”, cujo clipe será lançado em breve. Na apresentação, essa faixa precede aquela anunciada por Theo como a reta final do show. Ao encorajar todos a cantar junto, é interrompido por um homem da plateia que se aproxima do microfone. Ele revela que o que virá a seguir é uma homenagem a Zezão. “Enterramos ele hoje de manhã”. A canção é tocada com reverência, no momento mais íntimo da noite.
A banda volta a tensionar os corpos e o pensamento. Com “Cães de Guerra”, direciona a energia coletiva para um outro tipo de manifestação. Essa faixa é uma das únicas do repertório em que a letra veio primeiro e representa, com o refrão “Quem policia a polícia?”.
É um dos aspectos-chave do grupo: a crítica social. Perguntados sobre o tema, Theo comenta que a música sempre foi para o lado da experimentação. “E acho que parte disso também é dizer o que a gente quer dizer. Com essa liberdade de não pensar exatamente como nos dizem para pensar”.
Tal visão talvez venha do fato de Will, Theo e Matheus serem da Zona Norte de São Paulo — região marcada por uma carência de equipamentos culturais. Cientes do privilégio que é ter um palco para tocar, os três veem suas apresentações e composições como reflexos de ser “brasileiro aqui, sul-americano, e tantos problemas aí no nosso país, no mundo. É meio natural a gente, como vivendo nessa realidade completamente cheia de injustiças. É natural a gente expressar essa parada na música”.
O público recebe o cansaço típico de um show como combustível. Ao invés de convertê-lo em uma redução de marcha, o transforma em êxtase. Foto: Lua Belle.
Outro aspecto relevante é a militância cultural dos integrantes em sua época universitária. Com Will e Theo vindos da USP, os rolês da banda eram embalados por discussões políticas e sociais. Eles contam que, ao longo do tempo, a universidade se fechou para esse tipo de iniciativa. Mas estão animados com a retomada cultural protagonizada por coletivos de arte como o Canil. Sobre isso, Will declara: "É um rolê, é uma festa, mas tem um valor cultural ali”.
Aos pedidos de ‘mais uma’ e uma rápida verificação com o dono da casa, Guaribas fecha a noite com “Dissimular”. Dançante, violento e torto deixa uma pergunta: O que acontece quando uma banda resolve tensionar não só o som, mas também o próprio lugar de onde ela vem?
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