Cobertura
Funérea, Ogna e miseryswin fazem apresentação em noite organizada pela Taciturno
22 de novembro de 2024
@holandior
@mt01_photography
São Paulo, dois de novembro. A chuva estreita e perene permeava as ruas do bairro da Lapa. Aos meus pés, a calçada e meio fio gastos e úmidos pavimentavam o caminho até o Estúdio Páprica, local onde a Taciturno – coletivo independente de produção de eventos underground – sediava uma noite nada convencional de apresentações musicais.
Lá, pouco mais de uma dúzia de jovens alternativos trajados com coturnos escuros, gorros customizados e acessórios metálicos ocupavam a área do bar, trocando tragos e goles nas poltronas e sofás, ou próximos a única janela do local, à espera da primeira atração da noite.
Ainda que os artistas fossem de gêneros musicais diferentes, o público achou um intermediário comum: a catarse através da entrega crua e genuína daqueles que estavam no palco, eliminando barreiras que pudessem existir anteriormente e abrindo portas para uma genuína conexão plateia-banda.
Sem qualquer indicativo visual senão as pessoas na frente do local, uma pequena porta marcava a entrada do Estúdio Páprica. Lá, Funérea passava o som e se preparava para tocar.
Autointitulando-se "punk demais para o emo, emo demais para o punk", esse lema traduz fielmente a experiência sonora do trio composto pelo guitarrista e vocalista Lucas Carmo, o baterista Lucas Santos e o baixista e também vocalista Pedro Paulo.
A banda abriu com “LUCY”, single de estreia lançado em 2022. Aos poucos, o público antes encostado na parede, de forma quase magnética, começava a se dirigir para o centro da pista, lentamente familiarizando-se com uma sonoridade intensa e melódica. A timidez durou pouco tempo. Logo na segunda música, “Confiança”, a roda foi aberta e um desfile de dança hardcore foi inaugurado.
Luzes rubras passeiam por entre o espaço fechado enquanto corpos se agitam ao som de música intensa
Num intervalo entre as músicas, Carmo realizava um ritual típico dos shows da Funérea: pedir para a plateia vaiar a banda gritando "ei, Funérea, vai tomar no cu". Imediatamente, após as vaias e impressionados com a reação positiva que receberam, a intensidade aumentou na música seguinte, onde em determinado momento Pedro abandonou seu instrumento e juntou-se ao mosh com a galera da pista.
Em conversa com ele após o fim da apresentação, o mesmo disse que só faz isso em shows que ele considera especiais, mostrando o quão envolvido o público estava com a banda e suas músicas.
Após um primeiro ato frenético, uma breve pausa para recuperar o fôlego ocorreu. Iluminado pelas suaves luzes rubro-anis, o público ansiava por mais enquanto dividiam o momento de repouso com a banda. Carmo anunciava no microfone que aquela seria "a parte emo" do show.
Dito e feito. O ritmo mudou para uma cadência mais moderada. Covers de Jawbreaker e Basement, grandes influências da banda, surgiram para se somar ao setlist e amplificar a nova atmosfera introduzida.
Num inesperado movimento lúdico, diversas pequenas rodas se abriram. Dessa vez não para dançar violentamente, mas sim para brincar de adoleta, dançar a dois, ou simplesmente fechar os olhos e balançar gentilmente o corpo ao som de músicas como “Fantasmas” e “Carolina”, canções mais melódicas e com letras que refletem estados emocionais fragilizados, temas que ressoaram com os ouvintes daquela noite.
Girando intensamente, os fótons dançam em volta dos músicos
No fim do show, uma extensa salva de palmas e gritos ocupavam o espaço sonoro antes dominado pelos instrumentos, com direito a mais uma salva do mantra anal, dessa vez orquestrada de maneira espontânea pelo público, assim fidelizando novos ouvintes e consolidando Funérea como um dos shows mais dinâmicos da noite.
Com público devidamente aquecido pela atração anterior, Ogna, banda estreante de Metalcore e Post-Hardcore diretamente de Volta Redonda, no Rio de Janeiro, se preparava para tocar pela primeira vez em São Paulo.
Formada por Bruno Romão nos vocais, Thales Carvalho e Gabriel Miranda nas guitarras, Felipe Miranda na bateria e Alisson Reis no baixo, o grupo entregou uma apresentação visceral e apresentou “VIVET VITTA”, seu EP de estreia.
O show iniciou com o sample de um sutil coro angelical que crescia gradualmente até seu clímax, gerando expectativa em todos os corpos presentes que sabiam o que estava por vir: destruição.
A guitarra e bateria pareciam se unir ao passo que os ritmos semifusados e blastbeats eram tocados em conjunto, enquanto o baixo firme servia como a espinha dorsal que sustentava a instrumentação intensa. Já os vocais alternavam entre harmonias limpas e gritos melódicos até guturais densos típicos do gênero, mostrando toda a versatilidade e bagagem técnica da banda.
Entre uma música e outra, Bruno estendia seu microfone em direção a pista, que de prontidão disputava uma posição para cantar as letras em uníssono junto ao frontman.
Aquele que admira então tem a oportunidade de gritar sua vida e sentimento ao som da música tão esperada
A plateia deu um show à parte conforme o show seguiu, alternando entre two steps enquanto os mais ousados dominavam os ares com chutes e spinmoves durante os breakdowns violentos, quase como uma coreografia não ensaiada que até mesmo o próprio vocalista participava durante as seções instrumentais das músicas.
Em uma bela cena de cordialidade, pessoas que não se conheciam estendiam as mãos e se cumprimentavam enquanto elogiavam os passos de dança um do outro, mostrando o poder de união que a cultura underground oferece.
Como se em uma dança pela vida, os gritos desafiam a própria morte
Próximo ao fim da apresentação, Bruno agradeceu a plateia e disse no microfone que tocar em São Paulo era uma das grandes metas da banda. O grupo fluminense prometeu que voltaria logo.
Considerando que um dos objetivos da Ogna era promover seu EP, é possível dizer que essa missão foi mais do que cumprida aqui em território paulista, gradualmente conquistando um merecido espaço na cena e abrindo portas para o crescimento do grupo.
Se antes presenciou-se o caos, moshs violentos, instrumentais distorcidos e vocais poderosos, o clima agora era de introspecção e calmaria. Um respiro após o frenesi compartilhado.
Reproduzindo o instrumental digitalmente para as caixas de som, miseryswin, ou apenas swin para os íntimos, iniciava o show com músicas do seu projeto secundário chamado caramujocaracol. Os sons do EP “O Astuto Mágico Malandro”, que tem sonoridade inspirada em bandas emo dos anos 2000, foram o destaque. “Meu sonho desde que eu era criança era ser vocalista de uma banda emo”, conta ele.
Cercando o artista num semicírculo em atmosfera intimista, a plateia parecia saber todas as letras para suas canções, que falavam sobre o anseio de se sentir amado e a vontade de formar uma conexão genuína com as pessoas, seja um parceiro romântico ou até mesmo um amigo para qualquer hora.
Canções como “Louça Empilhada de Três Dias Atrás” refletem também sobre a falta de rotina e suas consequências na saúde mental, instrumentada de maneira intensa como uma forma de liberação dessas emoções.
Corações azul e vermelho servem de asas para aquele que destila em si próprio suas belas palavras
A sonoridade etérea agora dominava os ares, onde texturas e ambiências formavam uma parede de sons para que os vocais oníricos de swin tivessem onde fluir livremente.
Com influências de artistas como Bladee, Lil Peep, Ecco2k e Yung Lean, ícones do cloudrap, o artista agora apresentava seu projeto principal com músicas de seu recém lançado álbum “Se Sonhos Pudessem Ser Guardados”, contando com ajuda de FM-CINCO, artista e também colaborador frequente.
Ainda que tenha as características fantasmagóricas clássicas do gênero, o artista implementou sonoridades tipicamente brasileiras, entre as quais a Bossa Nova e MPB. Ao passo que músicas como “Feiticeiro (eu merecia essa dança tanto assim?)” e “Troca Equivalente” tocavam, isqueiros saiam dos bolsos e acendiam um badego enquanto swin rodeava o público cantando olho-no-olho de cada um, dividindo interações calorosas que eram devolvidas na mesma intensidade.
Apreciado é o momento fraterno entre o músico e seus fãs
Com influências do Rock, Emo, Mpb e Cloudrap, miseryswin começou sua jornada musical com 17 anos, motivado por uma desilusão amorosa. Afinal, quem nunca?
Antes apenas Swin, seu nome artístico foi concebido pelo fato de não saber nadar, porém adorar o oceano e a água. Essa relação entre o desejo e o medo aparecem com frequência em suas letras e na maneira como se projeta no palco durante suas apresentações.
Inicialmente cantando em inglês, lançou seu EP de estreia “Learning About Myself” em 2020 com apenas quatro músicas. Conforme amadurecia musicalmente, fez a transição para sua língua nativa e meses depois trouxe ao mundo “Cheiro de Chuva às Três da Manhã”, seu primeiro álbum completo.
Recordando sobre seu primeiro show, o artista diz: "até hoje é meio louco pra mim ver que tem gente que gosta do meu trampo. Foi muito especial pra mim, eu nunca imaginaria que estaria em cima do palco e o pessoal cantaria músicas que eu escrevi".
Após o último show, todos saiam com certa introspecção após presenciar tantas emoções em um curto período de tempo. Nesse ponto, as paredes do Páprica chegavam a ter pulsação própria de tantos ecos sonoros retidos em sua superfície, parecendo um ser orgânico que presenciava e sentia os shows assim como o restante do público.
No fim, a diversidade sonora apresentada naquela noite apenas amplificou a conexão entre os presentes, que demonstravam vulnerabilidade e entendimento mútuo por meio de uma experiência musical holística.
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