Entrevista Exclusiva
Banda adentra na singularidade da música e comenta os bastidores da produção.
25 de janeiro de 2024
“Fenômeno de associação constante de impressões vindas de domínios sensoriais diferentes”. É assim que o Houaiss define o conceito de “sinestesia”. No entanto, a sinestesia também é conhecida pela sua singularidade e pelo seu poder de se manifestar de maneira única em cada indivíduo. Logo, quando artistas se propõem a criar uma obra que a envolve diretamente, fica impossível não voltarmos os olhos para eles. Sobretudo quando se trata de músicos.
Pra variar, vamos falar de música. A matéria de hoje traz Vinco, banda que há mais de um ano vem espalhando seu — literalmente — ‘rock matemático’ pela cena underground paulistana. Porém, hoje, ela se propõe a despertar em seus ouvintes, imagens sonoras inusitadas, por meio de uma equação musical que só uma mistura de Math-Rock com Free Jazz pode proporcionar.
E o que torna isso possível? “Sinestesia”. Não exatamente a palavra. Mas, sim, o primeiro álbum da banda Vinco, que carrega este título.
Formada em 2022 por Ayres e Henrique nas guitarras, Gabriel Ribeiro na bateria e Hugo no baixo, Vinco é uma banda que apresenta nos palcos, e agora nos fones de ouvido, um som inspirado por TOE e Black MIDI no seu ritmo quebrado e que traz referências sonoras vanguardistas do Noise e da Vanguarda Paulista, Rock Progressivo, Free Jazz e até mesmo da Música Tradicional Nordestina.
Gabriel, que mora em Campinas, vem aos finais de semana para a capital paulista. Nesses raros momentos, toca bateria. Hugo veio da Paraíba e está há dois anos em São Paulo. Eles conheceram Ayres e Henrique pelo Instagram e assim montaram a banda.
2023 foi marcado por muitos shows deles. Mas isso não impediu que a produção de “Sinestesia” corresse no backstage.
Capa do álbum "Sinestesia" (2023), feita pelo artista visual @midi
Ayres contou que a produção do álbum foi feita “sem grana e com equipamentos emprestados de amigos”. Além disso, a bateria foi gravada no estúdio de Jow, da banda Espacialrias.
“A angústia faz com que fique fácil de estagnar”, diz Ayres. Apesar disso, nessa mesma pegada ‘do it by yourself’, ele comenta que ao longo do processo de produção, aprenderam a como “tratar a música”. Isto é: editar, masterizar e mixar.
Mas, agora, vamos falar do que você deve estar procurando. Vamos falar de som.
“Sinestesia” é composto por 10 faixas instrumentais, escolhidas a dedo em sua ordem. Ser instrumental permite que a sinestesia — que geralmente ocorre com mais naturalidade em uma música com letra — flua e se expresse mais intensamente e, sem trocadilhos, visivelmente, durante a experiência sonora.
Ayres conta que a sinestesia na música é algo que você pode imaginar a partir do som. Hugo, baixista, complementa com o conceito de “imagens sonoras”. Ayres prossegue, explicando: “Quando você não tem letra, a interpretação que você faz é a partir do instrumento, da instrumentalidade da parada. Então a intenção do álbum é alcançar as pessoas na singularidade do que eles entendem na música”.
Dessa maneira, “Sinestesia” é uma mistura de sentimentos em forma de música. Uma música, que apesar de ser interpretada pelos músicos, é de livre interpretação por parte dos ouvintes.
A banda finca a improvisação como parte essencial do seu estilo de vida, ficando impossível desvinculá-la de sua música. “Tudo de Última Hora” é descrita como um reflexo do fazer diário dos integrantes da banda, e “Sinestesia”, a sua música mais ouvida no Spotify, é não a toa, um improviso.
Ayres conta as particularidades desse som, que tem a participação do músico convidado Gabriel Gadelha — o Frodo — no sax. Segundo Ayres, a ideia do saxofone surgiu em casa, depois de escutar a improvisação que haviam feito no dia. Ribeiro conhecia Frodo, que topou tocar no próximo ensaio. A cena no estúdio era de três celulares gravando e um mic isolado no saxofone. O resultado? “O primeiro improviso que a gente fez entrou e assim nasceu a faixa título”, diz.
Assim, a Vinco apresenta um processo de composição bem livre, baseado na liberdade criativa que origina uma construção musical natural e orgânica. Essa construção, no entanto, não é rígida como a verticalização das cidades, mas lúdica como um montar um de quebra-cabeça.
Ayres comenta: “A construção que fazemos é muito parecida com um jogo da memória ou um quebra cabeça. Improvisamos, e aí observamos partes do improviso que queremos aproveitar e a gente vai colocando cada coisa no lugar. Gravamos as coisas no estúdio e, chegando em casa, falamos ‘ah, isso aqui entra aqui, isso aqui sai’ e vamos construindo a partir disso. Mas é muito esse lance de você unir peças. Às vezes coisas que não fazem sentido, quando você ouve depois, você fala ‘dá pra tirar alguma coisa'’ As músicas que fizemos todo mundo junto, foi meio que isso".
O álbum começa com “Interlúdio”, uma faixa curta que configura o mood do ouvinte para poder seguir sua viagem musical. Isso se segue com outra faixa-ponte, “Tduh”. A banda explica que a ordem das músicas foi escolhida a dedo, para que o ouvinte escute o álbum de cabo a rabo.
Esses interlúdios também funcionam ao vivo, na hora de trocar a afinação das guitarras. Nisso, Hugo, Ribeiro e Frodo entram em ação, “não deixando o show dar aquela esfriada", como chama Henrique, e finaliza reforçando seu gosto pela experimentação.
Se você é um leitor assíduo do Juvenal, já deve ter percebido que algumas coisas mudaram no som da banda. Henrique conta que o arco de violino na guitarra veio do noise. Já o sintetizador surgiu da necessidade de “teclas que não entrassem em todos os momentos”, mas que “crescessem, e abrissem”.
Ayres e Henrique durante apresentação
Após um ano frenético, a banda decidiu fazer um hiato dos palcos em 2024. Planejam focar em composição e angariar recursos para que a próxima produção não seja tão “apertada”. Apesar disso, fãs como Gousa esperam vê-los fora de São Paulo, e torcem por um show em Campinas. A expectativa da banda é continuar inovando e experimentando sons novos. Bem como comprar uma bateria.
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