As cores da luz e os corpos se unem numa honesta dança

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“Dance” no fim do mundo: Guaribas lança novo clipe torto, dançante e pós-apocalíptico 

Clipe da faixa “Dance” foi exibido gratuitamente na Comunidade Cultural Quilombaque, em Perus, em clima de celebração, reafirmando os laços do coletivo com as causas que movem sua música.

13 de julho de 2025

Texto: 

Vito Forini (_.ilegas)

Imagens: 

Danilo Giraldes (@mt01_photography)

No último fim de semana (05/07), o coletivo Guaribas lançou o clipe de Dance em um evento intimista na Comunidade Cultural Quilombaque, no bairro de Perus, em São Paulo. Mais do que uma estreia, o encontro selou um ciclo que mistura amizade, memória e groove progressivo.

Perus é um lugar que carrega muito mais que trilhos; é território de revoltas operárias, de cemitério clandestino da ditadura, de aldeia guarani encravada no concreto. É uma dessas regiões onde o passado pulsa no presente e onde cultura e resistência andam de mãos dadas. Um desses espaços de luta é a Comunidade Cultural Quilombaque que, nas palavras de um dos seus fundadores, Dedê Ferreira, “é uma construção coletiva de artistas do território que ajuda a manter o espaço. É uma rede de artistas que faz o espaço sobreviver há 20 anos.”

A Quilombaque também compõe o circuito de espaços socioeducacionais da região. “A gente aqui no bairro de Perus ainda não tem uma casa de cultura pública, né? E a gente tem que fazer as coisas acontecer. Então a Quilombaque é um desses polos de cultura aqui do território. Por que tem outros, né? Tem a Casa do Hip-Hop, a ocupação Canhoba, a biblioteca também, né? Que a gente ajudou a reestruturar, então, cria-se uma rede de articulação cultural junto com esses espaços, né?”, explica Dedê.

Os convidados esperam ansiosamente o show

Os convidados esperam ansiosamente o show.

Laços que se estendem no tempo

Para além das razões geográficas e políticas, foi ali, entre trilhos e afetos, na Quilombaque, que o Guaribas deu seus primeiros passos. “Eles é cria daqui. A molecada cola aqui desde criança, construiu junto com a gente, né? Eles já tocaram aqui algumas vezes. Então, pra gente é uma alegria que o grupo continua e tá nessa caminhada”, disse Dedê.

Crisão, colaboradora do espaço, compartilha do mesmo sentimento: “É muito engraçado porque eles eram, tipo, para mim era criança, né? Agora eles tão tudo homem assim, aí, vê eles homem assim, eu falo: caraca, meu, eu tô ficando velha, né?”, brinca.

Fãs e reencontros

O acompanhamento da caminhada do coletivo Guaribas vai para além dos muros da Quilombaque. Antes mesmo do chopp estar servido, alguns fãs de carteirinha já podiam ser vistos no local. Um deles é Cecília, que diz acompanhar o grupo há bastante tempo: “A primeira vez que eu vim para São Paulo, vim para um evento, tinha algumas bandas de Fortaleza, Ceará, e Guaribas, num evento que era o lançamento do clipe deles também. E aí convergiu em hoje também ser um lançamento.”, conta.

Sobre esse senso de coletividade, o guitarrista da banda, Will revela em tom jocoso,, “Até nas inscrições do evento e tal, agora eu uso a equipe Guaribas, o coletivo Guaribas. A gente vem carregando uma história com muitas parcerias, tipo assim, mó galera apoia nós, acolhe nós e corre junto com a gente faz muito tempo.” Essa rede de parcerias se materializa também na forma como os projetos do grupo acontecem. Foi assim com o clipe de Dance, que ganhou vida graças ao apoio de quem já acompanha e constrói junto com o coletivo. Como lembra Will, “O clipe surgiu de um presente de uma das pessoas super importantes assim do coletivo Guaribas que é a Gabriela Rocha, é a música favorita dela assumida, né?”, conclui.

O clipe como encontro de mundos

Gabriela Rocha, diretora do clipe, estudou cinema e trabalhou como atriz antes de se aprofundar na pesquisa de corpo pela técnica Klauss Vianna, em 2015. Foi neste período que conheceu Luciana Romani e Thiago Salgado, da Escola de Desenvolvimento Artístico de Cotia (EDA). “Eu, a Luciana e o Thiago, éramos do mesmo grupo que é uma companhia de corpo que se chamava Grupo Obara”, relembra.

Atualmente focada na edição de vídeo, este foi o primeiro clipe que Gabriela dirigiu para o Guaribas. “No outro, a gente foi para um lugar mais experimental. Não tinha tanto uma coisa de corpo”, comenta, sobre a centralidade dos corpos neste trabalho.

O clipe de Dance busca traduzir visualmente um momento particular dos shows do Guaribas: a hora em que Dance toca e todos começam a dançar. “Desde sempre todos os shows, são assim, “Dance” é onde a galera dança, sabe?”, relembra Gabriela. O vídeo aproxima o mundo da música e da dança em uma ficção pós-apocalíptica que insiste na coletividade.

Figurinos como arqueologia do futuro

Sobre os figurinos, criados a partir de materiais reaproveitados, Rui, irmão do baterista Téo e figurinista do clipe, explicou a ideia que guiou a estética, “Então, acho que vai um pouco nessa onda, pegar essa ideia desse materiais que são muito duradouros, que às vezes vão atravessar até a própria existência da espécie humana e vão continuar aí como vestígios e como a gente consegue num outro contexto trabalhar eles para expressar alguma coisa”.

Quando o corpo fala a música

Para os movimentos que compõem a coreografia do clipe, a bailarina Esther compartilha como o processo foi construído a partir do encontro entre o corpo e o som, “Eu acho que a coreografia ela partiu 100% quase dos nossos corpos e da relação do nosso corpo com a música. Então, foi um processo muito legal porque a gente não teve nada coreografado de fora. Claro que a gente teve apontamentos do tipo: ‘Ah, esse movimento parece muito legal. Eu acho que essa sequência combina bem”, e aí a direção de movimento foi feita pela Luciana junto com a Gabi que fez a direção geral e com os Guaribas que estavam sempre assistindo. Mas foi muito gostoso porque eu, por exemplo, os meus movimentos eles surgiram em relação com a música”.

Se o mundo acabar (e a noite também), que acabe dançando

Logo depois que o clipe apagou na parede, o tambor do bloco de maracatu da Quilombaque tomou conta do ar. Mas não era só o bloco: o Guaribas entrou junto, grooveando por cima das alfaias, fazendo todos pulsarem num transe coletivo. Era batuque misturado com guitarra distorcida e walking bass,, um verdadeiro sopro de Manguebeat no cangote, e todo mundo entendendo que o show já tinha começado.

Percussionistas tocam suas alfaias enquanto a banda realiza sua apresentação

No início do show, a união do ritmo das percussões remete ao maracatu de tempos passados.

Quando o bloco se despediu, o Guaribas segurou a bronca sozinho. Vieram os clássicos do repertório, aquela sequência de riffs que arranca o sorriso de quem acompanha de perto, enquanto o chopp descia fácil e os corpos se ajeitavam para pular. Foi no meio dessa energia que Thomé e Zi Vasconcelos, do Baile de Ladinho, subiram ao palco. Dança performática, corpo estendido, gestos que cortavam o ar enquanto a banda acompanhava cada passo, cada quebrada de quadril, cada explosão de riso que saía da plateia. Foram três músicas nesse delírio coletivo antes dos dois desaparecerem no meio do povo, voltando pra plateia como se nada tivesse acontecido.

Guitarrista ri enquanto vocalistas animam a platéia

"Dance" era a palavra da vez, ninguém estava parado.

O show seguiu firme, aumentando o calor, até que veio “Dance”. O groove inundou o público, que instintivamente começou a soltar o corpo sem vergonha. Foi aí que Flavi e Luisa Santana subiram ao palco, carregando vozes de Jazz e Soul que rasgaram a batida e incendiaram o groove progressivo do Guaribas. O que era roda virou dança social, o que era espaço de show virou discoteca. As luzes piscavam, palmas batiam em sincronia, e cada passo, cada giro, cada sorriso, confirmava: se o fim do mundo chegar, que seja assim, com o corpo quente, o som alto e todo mundo dançando junto.

Para fechar a apresentação, as duas cantoras previamente chamadas ao palco realizam uma apresentação para ficar na memória.

O canto traz consigo a alma e história de toda uma vida, do movimento imparável.

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