Entrevista

Em “Manauero”, Jambu reflete sobre origens, pertencimento e saudades

Audição intimista em São Paulo revela um disco que afirma identidade, atravessa distâncias e transforma deslocamento em som.

2 de maio de 2025

Texto: 

Vito Forini (@_.ilegas)

Imagens: 

Rapahel Tavares (@raphaorp)

Na noite abafada de 23 de abril, a Casa Lab, no bairro de Santa Cruz, em São Paulo, guardava um calor peculiar, diferente daquele na rua. Ali, a banda Jambu — formada por Gabriel na guitarra e voz, Bob na guitarra principal, Yasmin na bateria e voz e Gustavo no baixo — apresentava “Manauero”, seu segundo álbum. O evento do lançamento da DeskDisc mais se assemelhava a uma festa em casa. Não havia plateia, mas estavam presentes amigos, colaboradores e todos que, de alguma forma, fizeram parte da história desse disco.

O ambiente em que todos se encontravam refletia, de certa forma, a própria concepção do álbum, feita de encontros, conversas e atravessamentos. Entre falas sobre o processo criativo e silêncios de quem escutava pela primeira vez, o que se apresentava não era só um trabalho musical, mas um território emocional — um gesto coletivo de afirmação. O disco é sobre Manaus, mas também é sobre o que vem depois de Manaus. É sobre estar aqui, mas ainda ser de lá.

“Manaus é a gente em qualquer lugar”, contou Gabriel ao Desconhecido Juvenal. Essa ideia está condensada já na primeira faixa, “Manaus é noixx”, composta a partir de uma poesia escrita por ele ainda na adolescência. “Acho que eu não conseguiria escrever algo assim hoje com a mesma profundidade. Muita coisa vai te deixando duro pra visão do mundo”. O verso, que poderia ser um grito, soa como saudação. Não é só geográfico. É geracional. “A juventude está no espírito. A gente é uma geração nova que precisa fazer isso valer.”

Em sentido horário, os integrantes Gabriel, Yasmin, Bob e Gustavo.

Entre interlúdios e afetos

A segunda faixa, “Incendeia”, é ainda mais pessoal. Composta pelo avô de Gabriel, ela traz o tom solar que embala a caminhada do álbum. “Fala de coisas simples, como dar um rolê na cachoeira, ver a natureza. Mas talvez, daqui a um tempo, isso tudo só exista na imaginação. É um registro histórico de como a gente vive a vida”, relata. O sol, diz ele, é eterno para os humanos. E o disco parte daí.

A sequência do disco propõe uma jornada de afirmação, saudade e reinvenção. “vagabundo”, nascida em São Paulo sob o sentimento de não-pertencimento, traduz a fricção entre a vontade de explorar e a dor de não caber. “Quero ir além do muro”, canta-se, em voz de muitos exílios internos.

“passatempo”, feita numa pausa rural, reflete esse entrelugar criativo onde natureza e arte respiram juntas. Não por acaso, a banda ressalta que em São Paulo falta espaço para não se sentir engolido. Já as faixas “lentamente”, “vc se foi e é tarde" e "eu te espero” trabalham com as lacunas entre as pessoas e os tempos.

A intersecção entre o etéreo e o direto aparece com força no interlúdio “O Último Suspiro (Interlúdio)” e sua contraparte “Deixa Fluir”. Shoegaze de um lado, Pop de outro — e nenhum medo de transitar. A identidade aqui é híbrida, mas firme, reforçando o cuidado da banda com a ordem das faixas, como se cada uma preparasse a escuta da próxima.

Em “Boato”, o refrão inspirado em Forró abre espaço para misturas manauaras. Sem caricatura, mas com inspirações da cena local. “Cerveja Gelada” e “Pense Bem” — essa última 100% Eletrônica e com produção de BZeebra — caminham para o final do álbum trazendo notas de devaneio e urbanidade e colaborações que ampliam a paleta sonora.

Integrantes da banda vestindo roupas feitas pelo estilista Soudohi (@sioduhi)

Pontes e trocas

“A Jambu não somos só nós quatro. Ela é uma ponte que vai ligando várias coisas. Várias histórias. Várias vozes”. Essa ponte da qual Gabriel fala se constrói também na maneira como as músicas foram feitas, e não apenas no que dizem. “Nosso processo de composição não tem fórmula”, explica Bob. “Algumas faixas foram surgindo em casa, de forma esparsa. O Gabriel botava uma ideia de manhã, aí depois do almoço alguém abria o projeto e acrescentava outra. Sem muita comunicação, mas com cada um colocando o que sentia”. Outras nasceram em estúdios, com o tempo contado, ou em retiros mais livres, ou na casa de seu produtor Rafa, o Big.

É a troca que permite que “Manauero” abrace diferentes atmosferas sem perder a unidade. “A escolha da ordem das músicas sempre é uma questão. Todo mundo tem opinião diferente”, pontua Bob. “Mas a gente tentou pensar em como a gente gostaria de escutar o álbum, que sensações a gente queria que ele causasse. Pra ele contar uma história, mesmo”. Cada integrante montou sua própria tracklist, e a versão final veio do consenso.

Mais do que apenas uma coletânea de boas faixas, “Manauero” funciona como uma obra completa. É um disco de transições, de sons, de temas, de estados de espírito. Se abre como um manifesto, mergulha no afeto, passa por dúvidas, silêncios e chega ao pertencimento latino-americano como desfecho. Entre interlúdios e refrões, a banda constrói um percurso que não é só estético, mas simbólico.

“A Jambu não somos só nós quatro. Ela é uma ponte que vai ligando várias coisas”, resume Gabriel. E é exatamente isso que o disco faz: liga. Pessoas, territórios, tempos, sonhos. Da adolescência à ancestralidade. Do Norte ao centro. Do íntimo ao coletivo.

Ouça "Manauero"

Ficha técnica:

Produção: Lucas Cajuhy | @lucascahujy Zeca Leme | @zecaleme Bezeebra | @bezeebra Francci | @itisfrancci Roberto Kramer | @roberto_kramer ysmn | @ysmncosta Bob | @bob.jmb Gabriel Mar | @briel.jmb Guga | @gustavooc
Eng. de áudio: Mateus Gomes | @matheuslgomes
Mixagem: @lucascajuhy @bezeebra @itisfrancci @roberto_kramer Masterização: Mateus Tinoco | @mtmvipstudio
Capa: Jan Pierre Cruz | @pierrepeixeeletrico
Fotografia: Raphael Tavares | @raphaorp
Distribuição: Deck | @deckdisc

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