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Sem Esperanças (Test & Deafkids): se não há esperança, resta som.

Um título como Sem Esperanças não promete consolo. Ele abre um rasgo, expõe a ferida, ergue um espelho turvo em que o país e o corpo se reconhecem: na insalubridade do transe, da ruína e a mais pura combustão. O encontro entre Test, dupla que há anos transforma grindcore em arma de guerrilha, e Deafkids, alquimistas de um punk ritualístico e psicodélico, é a celebração de quinze anos de colisão e invenção — e, ao mesmo tempo, uma sentença apocalíptica.

5 de setembro de 2025

Texto: 

Leuni Denoni (@faizkahx)

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Hugues de Castillo

O álbum nasce de três dias de gravação dentro de um estúdio em dezembro de 2024, mas soa como fruto de milênios de rituais interrompidos e reiniciados. Duas baterias, duas guitarras, ruídos, vozes que urram, multiplicam e falham como máquinas à beira da pane. Cada faixa é um corpo distinto, mas todos compartilham a mesma pulsação: um ritual de destruição criativa.

TEST & DEAFKIDS. Foto: Régis Bezerra

Entorpecendo faixa a faixa

“Selvagens” abre em 1 minuto e meio de invocação, como se algo fosse chamado das entranhas do concreto. “Demiurgo” expande e organiza a invocação em transe, guitarras em eco, percussões tribais, modelam um mantra de caos preexistente através de modelos eternos e perfeitos, ao mesmo tempo, contestando tudo isso. “A Marcha” é o ponto de revelação: bumbo estourado, zumbido contínuo, uma voz robotizada — semelhante a própria aparência de um anjo bíblico entediado e furioso — anuncia o fim da esperança. Não há salvação. O humano marcha em direção ao vazio.

Em “Cegueira”, a guitarra se torna zumbido bélico; o vocal, animal e eletrônico, cospe manifesto político questionando se, para além da criação, podemos ser vistos. “Dança Insana” devolve o corpo ao ritual: a percussão ora guia, ora desorienta, e a dança é se entregar completamente ao caos e esquecer a matéria. “Erro” mergulha na falha digital: guitarras e vozes corrompidas, risadas robotizadas, como se estivéssemos presos numa estética do Windows 98 quebrado.

“Pó de Ferro” e “Paraísos Plásticos” revelam a dupla face da distorção: uma música que convida ao grande empurrão coletivo, mas também se dissolve em ecos graves, quase dark wave, até restar apenas um primeiro respiro depois de longos anos. “Novos Métodos” insiste na repetição mecânica, guitarras que soam como máquinas se desintegrando em looping. E “Buraco” encerra cavando sua própria cova: ruídos eletrônicos, percussão frenética, vocais guturais soterrados. O fim não é silêncio, é uma bateria que continua, como um coração batendo depois da queda.

TEST & DEAFKIDS. Foto: Natalia Michalzuk

A Fusão

Em cada faixa, o Test traz a brutalidade concreta — riffs serrados, vocais rasgados, a bateria veloz e sempre imprevisível — enquanto o Deafkids abre o espaço ritual — camadas de ruído, psicodelia, batidas hipnóticas e puro transe coletivo. A fusão não é soma, mas mutação: um organismo híbrido e selvagem, uma terceira criatura que não cabe em rótulos, mas que soa como o retrato sonoro de um Brasil exaurido, ritualístico e insurgente.

Quinze anos de carreira, com mais de 100 shows juntos pelo Brasil e pelo mundo, e uma trajetória marcada pela radicalidade sonora. O disco chega às plataformas digitais em 5 de setembro de 2025, com lançamento físico em vinil (Rapid Eye Records, na Europa, e All Music Matters, no Brasil) e CD (Cospe Fogo).

Sem Esperanças não oferece saída. Ele expõe a falha, a cegueira, a marcha em direção ao colapso. Mas, paradoxalmente, é aí que reside sua potência: transformar o pessimismo em catarse, o fim em dança, o ruído em respiro. No palco, no Sesc Avenida Paulista, nos dias 11 e 12 de setembro, às 19h30, esses sons serão mais do que música: serão feitiço, anúncio do apocalipse — um encontro histórico que projeta tanto a urgência do presente quanto a força de uma música capaz de romper fronteiras.

Se não há esperança, resta o som. E nele, uma força que insiste em existir.

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