Instant Holograms on Metal Film cover

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Entre contradições e reconciliações: o retorno do Stereolab em Instant Holograms on Metal Film

Novo álbum marca o retorno da banda após 15 anos de hiato, com turnê mundial e aguardada passagem pelo Brasil. Leia o faixa-faixa.

31 de maio de 2025

Texto: 

Vito Forini (@_.ilegas)

Texto: 

Lays Moreira (@shibersun)

Imagens: 

Joe Wildworth // Imagens da internet

Imagem do Banner: 

Divulgação

Depois de 15 anos de pausa, Stereolab, a banda franco-britânica que fundiu Marx com Moog, lança Instant Holograms on Metal Film (Warp Records, 2025). Encapsulando as referências desenvolvidas nas carreiras solo de Tim Gane e Laetitia Sadier ao longo dessas quase duas décadas, o novo álbum atualiza a abordagem musical e as críticas sociais e políticas presentes nos trabalhos anteriores do grupo, ao mesmo tempo em que retrata um futuro distópico — ainda que em aberto.

Dessa forma, Instant Holograms on Metal Film mistura marxismo e espiritualidade, sintetizadores vintage, batidas motorik hipnóticas e avant-garde-pop em uma espécie de manifesto retrofuturista que, ao dar continuidade à reflexão do Stereolab sobre o que é ou não permitido na música, atravessa fronteiras borradas entre gêneros musicais e atmosferas sonoras. Ainda assim, apesar de escolhas à primeira vista contraditórias — como letras densas sobre instrumentais dançantes —, o resultado é coeso e livre de dissonâncias, indicando uma reconciliação entre um passado ressignificado e um futuro reinventado — à medida que é descoberto.

O álbum será a trilha sonora da turnê mundial do groop, que passará por diversos países da Europa, além dos Estados Unidos, Canadá e México. O Brasil, por sua vez, também fará parte deste retorno massivo aos palcos: o Stereolab se apresenta em show único no Balaclava Fest, em novembro.

A capa — com sua iconografia socialista industrial filtrada por uma lógica quase surreal — é o holograma da contradição Stereolab: nostalgia de um futuro que nunca existiu. Foto: Reprodução,

Instant Holograms on Musical Review

A primeira faixa do álbum, Mystical Plosives, dá o tom de imediato, criando um espaço sonoro que é ao mesmo tempo etéreo e denso; um interlúdio de sintetizadores que soam como o chiado de uma TV sintonizada em 2099. 

Com seu título evocativo, a música abre o caminho para uma jornada sonora marcada pela fusão entre o místico e o físico. As plosivas, essas explosões quase sísmicas de som —  mas que aqui aparecem como algo imaterial pois a música é inteiramente instrumental, são a primeira das muitas contradições que permeiam o álbum.

A transição para "Aerial Troubles" é magistral — acordes de piano cheios combinados aos vocais quase sagrados de Sadier juntamente com o músico convidado, Xavi Muñoz, criam a sensação de que estamos entrando em um culto sentimental. De repente, somos surpreendidos por uma levada funky encabeçada pela guitarra groovada de Tim e o ritmo preciso de Andy Ramsay.

O videoclipe de "Aerial Troubles" do Stereolab é polêmico, pois apresenta uma estética alucinante, com figuras humanas distorcidas por efeitos obtidos através do uso de Inteligência Artificial. Isso, no entanto, acrescenta atualidade ao trabalho do groop e evidencia a dualidade que Instant Holograms on Metal Film se propõe a mostrar. Autor: Laurent Askienazy.

Como se iluminada pelas luzes refletidas em globos de discoteca, no centro de uma pista de dança, a voz de Marie Merlet entra com destaque adicionando complexidade musical, ao ser a mais aguda das três. A profundidade temática aparece em versos-chave como, “Dying Modernity”, que cantados de maneira descontraída, parecem sintetizar a ironia do álbum. 

Assim, é como se o instrumental eletrônico, não pisoteasse, mas sapateasse cinicamente animado sobre o corpo moribundo de uma modernidade decadente, que nesta música, ganha uma sobrevida no coral de três tessituras. Violinos digitais delicados acompanham toda a cena até que um coro fantasmagórico cresce e é tomado pelos bits eletrônicos do interlúdio. Chegamos então à "Melodie is a Wound".

A terceira faixa do disco se transforma em vários momentos ao longo de seus sete minutos. Com a entrada do teclado de Joe Watson em modo cósmico, somos imediatamente levados à sonoridade típica dos anos 70, uma homenagem sutil aos discos de Krautrock. 

Caminhando para o seu final, o instrumental é progressivamente sufocado por ruídos eletrônicos — havendo, desse modo, a construção seguida de desconstrução daqueles timbres anteriormente homenageados. Ao mesmo tempo, a música aponta para o experimentalismo característico daquela época distinta na história da música alemã, presente como assinatura tanto do Stereolab quanto dos trabalhos solo de Tim Gane, especialmente no projeto Cavern of Anti-Matter. Após a adição de elementos sonoros, à medida que o teclado cresce trêmolo na escala, os ruídos eletrônicos, por fim, vencem. E, nessa resolução de conflitos, embarcamos na densidade de "Immortal Hands".

Acordes arpejados de guitarra têm seu fluxo interrompido por um piano, que os transforma em acordes cheios, tocados de maneira direta. O que antes era guitarra, agora é um violão de 12 cordas. Essa contraposição cria tensão e uma atmosfera sobre a qual o tema pegará carona. É nesse cenário que surgem, na letra, os "arranha-céus de ego" (Ego-skycrappers) — símbolos da modernidade ao lado de trens e remédios para ereção. Uma descrição sólida: “ereto, colapsável, niilista, vulgar”, nas palavras de Laetitia. O tom dramático e urgente ganha toques de reflexão, embalados numa voz lenta, acompanhada por uma bateria complexa, repleta de ghost notes e viradas.

Apesar de abordar um tema trágico, a música é conduzida por um instrumental esperançoso, construído em camadas de sintetizadores e uma levada grandiosa. Essa combinação evoca a dualidade presente em trabalhos como "Velocity: Design: Comfort", do Sweet Trip — em que a tensão e harmonia entre homem e máquina, entre emoção e algoritmo, traduzem um pensamento que marcou profundamente a virada do milênio.

O instrumental eletrônico, antes apenas descontraído, revela uma outra camada de significado: ele sintetiza a arte. E se a arte é, por definição, uma forma de expressar o amor — também é, inevitavelmente, um gesto de libertação. Assim, o que parecia leve ou lúdico se transforma em consolo: o som parece afirmar, com doçura mecânica, que está tudo bem. A letra “No fear there // Freedom of an open sphere // Freedom only love confers” em conjunto com a bateria eletrônica, em sua precisão meditativa, conduz o ouvinte a um estado de contemplação. Nesse cenário, emerge a ideia central: o amor não é mecânico, mas a máquina pode ser sua intérprete. Essa coexistência entre mente e máquina, entre sentimento e circuito, sugere uma pergunta inevitável — afinal, o que é a mente, senão uma máquina humana?

Integrantes do Stereolab em fotografia de Jon Dilworth, que foi baterista da banda entre 1990-1992.

O final da faixa é uma verdadeira explosão de imagens sonoras. Elementos eletrônicos surgem de forma abrupta, em meio a uma bateria de ritmo simples acompanhada por uma sessão de percussão pontual. Logo em seguida, a música se transforma: entra o funk, depois o jazz, e até o boogie — como se o ouvinte embarcasse numa viagem por décadas de referências musicais, guiado pelo uso criativo de samples. Os cortes secos entre essas passagens evocam a sensação de zapping: o gesto entediado de trocar de canal na televisão. E, como numa TV com número limitado de opções, há um retorno cíclico às mesmas passagens, mas sempre com pequenas variações. Saímos dessa profusão de timbres, ritmos e atmosferas como quem muda de estação no rádio e, de repente, somos lançados na frieza minimalista de uma Alemanha Oriental — evocada pelo som austero dos sintetizadores Vermona, que dão nome à próxima faixa: “Vermona F Transistor”. 

A escolha do título não é casual. Ele se insere na tradição peculiar do Stereolab de batizar músicas com referências diretas ao universo dos sintetizadores e da engenharia sonora, em uma espécie de obsessão técnico-afetiva. Assim como “Moogie Wonderland”, “Miss Modular” e “Melochord Seventy Five”, “Vermona F Transistor” dá continuidade a esse léxico eletro-musical, ao mesmo tempo celebrando a máquina e remetendo o imaginário retrô-futurista presente em todo o disco.

É nesse contexto que a faixa se desenrola. Uma aparente dissonância — que logo se revela como polirritmia — emerge a partir de notas repetidas no baixo, um canto lírico, com back vocal de Molly Read — filha da antiga membra do Stereolab, Mary Hansen, morta em 2002 em um trágico acidente de bicicleta — e uma bateria monolítica. Guitarras passam por amplificadores distorcidos, abrindo espaço para uma desaceleração súbita. O piano serialista dialoga com uma bateria que remete às marchas militares ou ao rock dos anos 60, enquanto acordes menores de uma guitarra diluída se metamorfoseiam em um groove sólido. Nesse crescendo, Laetitia traça sua narrativa: começa ironizando os falsos deuses — os “jokers” — que adoramos, depois conclama uma rebelião, e, por fim, em um gesto de afirmação radical, se declara criadora da realidade. Samples de metais triunfantes e um vibrafone sintetizado se alinham em batidas fortes com cordas digitais, que ondulam pela melodia. E mesmo em meio a esse clímax, o piano serialista permanece, discreto, como um lembrete insistente de uma lógica subterrânea que nunca se apaga.

Em Vermona "F Transistor", vemos uma abstração poética não vista anteriormente durante o álbum, em que Sadier parece transitar entre o concreto e o metafísico, temas esses recorrentes em trabalhos antigos da banda, que acabam por definir o som e a lírica do goop.

Na faixa seguinte, um baixo profundo se une a acordes menores no sintetizador, dando início a uma progressão que parece conduzir à resolução — mas que, deliberadamente, nunca se concretiza. O teclado abandona a melodia para sustentar um único acorde estridente, enquanto vozes masculinas e femininas se entrelaçam em movimentos ascendentes e descendentes, como dois elevadores melódicos tecendo uma prece frágil e desgovernada.

Inesperadamente, um saxofone assume a escala até despencar num breve atonalismo. Em seguida, uma guitarra groovada entra em cena, antes que o sax retorne, desta vez executando o contraponto que antes era feito pelas vozes. Inicia-se então um rodízio entre voz e saxofone. Em determinado momento, as vozes tomam a dianteira até, repentinamente, evaporarem.

Os diversos pontos de emissão sonora — reverberando da esquerda para a direita dentro da câmara estéreo — tornam essa passagem de "Le cœur et la force" uma experiência quase sinestésica. Por fim, o sax completa sua escala e encerra a faixa com o mesmo acorde que a abriu.

Além de nome de faixa, esse sintetizador vintage soviético, Vermona Organ, também foi usado na produção de algumas faixas de Instant Holograms on Metal Film!

Chegamos à metade do álbum com a instrumental "Electrified Teenybop!" — uma espécie de propaganda de TV intergaláctica que nos arranca de um estado de introspecção, trazendo alívio após a densidade quase litúrgica da faixa anterior. Carregada de nostalgia e diversão, sua sonoridade remete às trilhas de jogos dos anos 90, com timbres sintéticos e ritmo pulsante. O resultado é um groove cativante que não dá opção a não ser entrar na onda.

Voltando à programação normal — ainda que sempre dentro dos padrões imprevisíveis do Stereolab — temos "Transmuted Matter", faixa que traz uma letra abstrata sobre a fusão entre o divino e o humano, uma transformação operada através do amor. Trata-se de mais um passo na crescente abstração lírica de Laetitia, que se afasta do descritivo e do imagético para aproximar a matéria da poeira e a poeira do intangível.

O instrumental que acompanha essa travessia metafísica caminha em sintonia com a voz de Sadier, que percorre diferentes tessituras, como se fosse uma guia astuta e mágica através da transcendência. Em meio à escalada de notas cada vez mais agudas, a bateria silencia, a guitarra se recolhe, e restam apenas os sintetizadores — estendidos como uma planície onírica e cristalina. É nesse espaço rarefeito que uma nota grave, inesperada, irrompe da voz de Laetitia, prolongando-se até se dissolver, eletronicamente modulada, numa sine wave que passa a oscilar suavemente pelo sintetizador, restabelecendo a base harmônica da composição.

O final agitado de "Transmuted Matter" prepara o terreno para a enérgica "Esemplastic Creeping Eruption", numa tendência que, agora, parece inegável: o instrumental evolui junto com a densidade quase holográfica das letras. As composições tornam-se mais ousadas, as camadas sonoras mais ricas e os ritmos mais imprevisíveis. A abstração lírica é acompanhada por uma equalização abstrata dos sons — e não parece ser coincidência. O som cresce à medida que a palavra se torna mais metafísica. Assim, talvez se possa dizer que o instrumental não apenas acompanha a abstração lírica — ele a traduz.

Ainda há espaço para o inesperado: com uma estrutura aparentemente convencional, versos e refrões previsíveis, um instrumental ensolarado, quase pop, a nona faixa do álbum representa um retorno à normalidade apenas superficial. Uma passagem estranha, deslocada, já nos deixa em alerta. Vem mais surpresas? A resposta: sim — um refrão cativante seguido por um instrumental brilhante. 

Logo em seguida, uma escuridão breve toma conta da faixa. Surge na forma de uma guitarra distorcida e repetitiva, com frases curtas e incisivas, acompanhada de uma bateria acelerada. Mas a tensão se dissolve rapidamente, dando lugar a uma calma construída com acordes puros de guitarra e ambiências eletrônicas discretas. Uma breve paz que, logo depois, prepara um retorno empolgante: a linha de baixo torna-se sofisticada e proeminente, e os timbres da guitarra passam a se alterar a cada acorde, gerando movimento e tensão. A voz masculina ecoa distante.

Um momento marcante e especialmente luminoso surge com a contradição explícita do verso “all is dark” logo antes de uma ponte gloriosa. Em seguida, um som abafado e um drone sinistro tomam o espaço — como se estivéssemos à beira do sono, onde realidade e sonho começam a se confundir.

Mas como se sonha?

A faixa seguinte, "If You Remember I Forgot how to Dream pt. 1", funciona quase como uma chave para decifrar o que se passou em "Esemplastic Creeping Eruption". Nela, Laetitia disseca meticulosamente o ato de adormecer. Quase como num ritual, ela descreve a travessia do mundo físico para o universo onírico, associando o sono à exploração do mundo interior. 

Desligar-se da realidade, para ela, é um gesto de resistência — um meio de escapar. Mas esse escape falha: ela se vê presa na escuridão, esperando o toque da luz. Fica suspensa no limbo entre o ser e o não ser. E, contra o automatismo da fuga, ele escolhe ficar. Espera pacientemente pela luz. Um lugar onde tudo é possível e a magia conduz. Onde luz e escuridão se tocam. Deve-se permanecer até que permaneça a luz. No final, "If You Remember I Forgot how to Dream pt. 1" não é uma música sobre sonhos, mas sobre a perda da capacidade de sonhar.

A partir desse desencontro, Laetitia contempla a despersonalização refletida em sua própria imagem fragmentada. Ela sugere que somos “uma revolução permanente cujas implicações estão além do nosso alcance”, e, já próxima do fim do álbum, começa a abraçar essa dualidade – o “eu” e o “você” que habitam sua mente – permitindo, enfim, uma breve coexistência entre essas partes dissociadas.

Essa sensação de despersonalização evoca os efeitos de uma viagem psicodélica, mas transfigurada por um instrumental leve, quase infantil em sua ludicidade. Há ecos da fase psicodélica dos Beatles, mas filtrados por uma maturidade estética distinta. Aqui, os delírios são oníricos, não lisérgicos.

Como espasmos de lucidez, "Flashes from Everywhere e Colour Television" intrometem-se no meio dessa tentativa frustrada de dormir — ou talvez de escapar da realidade através do sonhar.

Uma flauta transversal abafada conduz os primeiros momentos, enquanto metais ao fundo soam como buzinas curtas e incisivas, antes de se dissolverem numa cama harmônica onde o pré-refrão repousa com suavidade. O segundo momento da faixa se anuncia com clareza e decisão. Logo depois, uma pausa: restam apenas a flauta, repetindo um tema simples, e uma harmonia etérea sustentando tudo... até que ele retorna — o piano serialista! Encolhido, discreto, mas inevitável — como aquele conhecido que ninguém convida, mas que aparece mesmo assim. E, tal como a crítica noventista à televisão em cores presente na faixa seguinte, é muito bem-vindo.

Desigualdade, hegemonia e alienação ganham forma em uma diversão sonora alucinante — uma base dançante para reflexões cuidadosamente articuladas. O instrumental, esperançoso, soa quase como se quisesse nos convencer de que, há instantes, aquilo não lembrava uma propaganda. Cresce em camadas e complexidade, acompanhando o cantarolar melódico de Laetitia. Logo depois, um teclado escancaradamente artificial assume a melodia, repetindo-a com precisão maquinal — até que, ao final, só ele permanece, "cantarolando" sozinho como um eco sintético do que antes foi humano.

Uma vez a TV desligada, "If You Remember I Forgot How to Dream Pt. 2" encerra o álbum com ares de epílogo: é como se estivéssemos nos despedindo de uma narrativa, atravessando os escombros de um sonho ainda em construção. A instrumentação é inteiramente eletrônica — da bateria aos metais sintetizados que vão e voltam como memórias sonoras, até uma onda senoidal que, sustentando uma única nota, ancora a harmonia de toda a composição.

Pianos surgem “cantando” as notas que antes eram de Laetitia, agora ausente ou, melhor, diluída. Sua voz já não está em primeiro plano; parece distante, filtrada, quase fundida ao instrumental. Em meio a essa paisagem digital, diz, em um convite quase sussurrado: “explore sem medo” — como quem revela um segredo em meio ao ruído do mundo.

A guitarra, levemente desafinada (detuned), entra explorando a escala com certa liberdade e urgência. Os filtros se abrem e fecham como se respirassem. O riff se repete, inquieto, apressado — é o som da pressa, da ansiedade, da necessidade de dizer tudo antes que o tempo acabe.

Ao final da faixa, a voz de Sadier é gradualmente substituída por um vocoder — uma das mais sofisticadas representações sonoras da dissociação pós-moderna. De frente para trás, de trás para frente, a faixa gira sobre si mesma, encerrando o álbum não com uma conclusão, mas com um eco eletrônico que parece dizer: o sonho não acabou, ele apenas se transformou.

Inconclusão

Essa característica dúbia do álbum se manifesta especialmente nas figuras de Laetitia Sadier e Tim Gane. Enquanto ela, com sua curiosidade intelectual e persistência reflexiva não aborda um tema apenas uma vez, Gane faz o mesmo, só que com experiências sonoras, onde reinventa referências da pré-história da música eletrônica e brinca com os limites dos gêneros musicais.

Sadier disse uma vez em entrevista: “Se escrever sobre um assunto múltiplas vezes é o que preciso para compreendê-lo, então assim o farei”. Desse modo, seus versos funcionam como autópsias de ideias — cuidadosas, repetidas, minuciosas — alinhados à uma vontade insaciável de Gane em explorar sem medo linhas temporais e sonoras.

É nessa insistência e criatividade que reside uma das chaves para compreender "Instant Holograms on Metal Film", que ocupa um lugar incomum dentro da discografia da banda.

Após um hiato de mais de uma década, há um evidente salto — temporal, existencial e sonoro. Quinze anos de vida condensados em 59 minutos de música: um intervalo que não é apenas cronológico, mas também afetivo e ideológico.

Escutar "Instant Holograms on Metal Film" é, nesse sentido, como presenciar o abrir de uma Caixa de Pandora que estava fechada há quinze anos  — cujas consequências, ao invés de escaparem, reverberam em camadas sonoras complexas e tessituras vocais variadas. É uma experiência densa, inquieta e profundamente marcada por um tempo que já não é mais o mesmo, mas que insiste em dialogar com aquilo que fomos e, talvez, com o que ainda seremos.

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