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Astrophysics e Machine Girl fazem noite de intensidade, paradoxos e difusões irreais

Cariocas abrem para ícones do Digital Hardcore; apresentações trazem músicas de novos lançamentos.

16 de maio de 2025

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Danilo Giraldes (@mybloodydan)

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Danilo Giraldes (@mybloodydan)

Uma dezena de fãs aguardava a abertura do Hangar 110, na capital paulista, desde cedo. Lá dentro, era possível ouvir a passagem do som marcante do estadunidense Machine Girl. Já os cariocas do Astrophysics — André, Mint e Gabriel — aceleravam o passo para deixar os equipamentos trazidos do Rio de Janeiro devidamente ajustados. Dito e feito: precisaram de apenas 10 minutos.

Com um pequeno atraso, a casa abre às sete e meia. O cenário estava estabelecido. As cortinas subiram e, após os aplausos e clamores da plateia, Astrophysics inicia o seu som Gótico Proletário com “Vanilla Deathwish”. Enquanto André gritava com todas as suas forças, Mint enviava as samples de seu notebook para as caixas de som. Gabriel era certeiro em cada levada de suas baquetas. Seus movimentos mais lembravam aqueles de um relógio, em moção perpétua e apenas focado em entregar o ritmo ao melhor de sua capacidade.

Som do Astrophysics leva à sensação de distorção do espaço. Foto: Danilo Giraldes

Gelo por todos os lados

O frio que dominava o ambiente não vinha apenas do ar-condicionado. A batida e a linha de guitarra incontestavelmente gótica de “You’re Killing Me” trouxe um certo senso de aconchego ao espaço. Quase uma contemplação de algo que passou, mas que ainda traz saudade.

“Frigid”, a próxima música, faz a tríade no palco transcender as barreiras da termodinâmica. Um ambiente abarrotado de pessoas, repentinamente, lembrava mais a fria realidade de um país longínquo, intocado por todo e qualquer raio de sol. Estávamos só na terceira música.

“A voz do povo é a voz de Deus”, André gritava. Foto: Danilo Giraldes

Através da competência musical e sinergia, André, Mint e Gabriel foram capazes de transformar o espaço diante dos olhos dos presentes. Mas o gelo também veio do ‘staff’ do show, que cortou o som dos instrumentos na última música. Um indivíduo, presumivelmente contratado pela casa, subiu no palco, pausou à força o que era reproduzido no computador de Mint e puxou o cabo da guitarra do André diretamente para fora do amplificador.

André podia ser visto tentando argumentar com os organizadores. Os fãs em volta do palco insistiram, pediram mais músicas e até começaram a puxar as cortinas para impedir que elas se fechassem. Mas não foi o bastante.

Mint comentou o ocorrido. “Eles não deixaram a gente encerrar a última música, mas atrasaram o show em uma hora”, relata. “Isso depois de dizer que não teria bateria na casa nem camarim, pra quando chegarmos lá ter ferragens, um bumbo e uma caixa”.

André também não saiu satisfeito. “Supostamente havia um acordo de que tudo o que o Machine Girl usaria não podia ser compartilhado”. Isso inclui até mesmo a bateria, que André afirmou ser alugada.

Nós procuramos a Solid State Music, responsável pelos shows, para comentar o caso. Passadas 24 horas do envio do e-mail, não recebemos resposta.

Escute o último lançamento do Astrophysics

A tormenta se antecipa

O fim abrupto do show anterior deixou o público agitado. Quando as cortinas se abriram, os gritos ecoaram intensamente através da casa. Dava-se início ao que, mais tarde, iria se espiralar num espetáculo de proporções apocalípticas.

“Because I'm Young, Arrogant And Hate Everything You Stand For” marcou o começo da apresentação do grupo estadunidense Machine Girl. As frequências vindo do sampler do vocalista, Matt Stephenson, provocavam cada molécula dos presentes. Na bateria, Sean Kelly atacava como se não houvesse amanhã. Toda a experiência lembrava aquela de uma injeção intravenosa de adrenalina.

Podendo ser considerado tanto Breakcore quanto Digital Hardcore, Machine Girl é uma banda que não se deixa limitar pelo que a liturgia musical dita. Isso fica evidente com o começo de “Nu Nu Meta Phenomena”, música do novo álbum, “MG ULTRA”. As batidas lembram um videogame tão antigo quanto o Dreamcast ou o Sega Saturno. As palavras de Matt se esgueiram, as batidas se repetem. Cacofonia e absurdidade. 

Som do Machine Girl conquistou a agitada plateia. Foto: Danilo Giraldes

Ocasionalmente, uma voz robótica se manifestava através das caixas de som e repetia, como para situar aqueles que estavam presentes no meio do caos e trazer algum chão: “Machine Girl”.

Matt caia ao chão e, por instantes, sua energia parecia ter se esgotado. Era apenas performance. Enquanto uma parede de som se empurrava contra a plateia e Lucy Caputi, a atual guitarrista de turnê da banda, manejava o volume no amplificador, criando momentos de uma estranha calmaria. É como se um transe completo tomasse conta do lugar e, no meio daquele som altíssimo, todos se transformassem em uma só entidade amalgamada.

Matt vai ao chão. O cansaço era constante, mas a energia também. Uma breve pausa antes que a loucura pudesse ter continuidade. Foto: Danilo Giraldes

Não havia mais trégua. Em músicas como “Ionic Funk”, que, por alguma razão, foi grafado na setlist como “Iconic Funk”, o ritmo era frenético e enlouquecedor. Mas, como condiz com o seu gênero musical, Machine Girl se excede em suas imprevisibilidades.

Entre melodias velozes, vocais gritados e intensas acrobacias por parte de Stephenson, ocasionalmente haviam pausas entre músicas. Em uma dessas ocasiões, Matt parou para agradecer a presença do Astrophysics e seus integrantes, comentando como eles vieram do Rio apenas para abrir o show. A plateia aplaudia e a apresentação se resumia.

Supostamente, o set deveria estar perto de acabar, mas, para os membros da banda e a plateia, tudo parecia estar só começando. Logo o vocalista se dirigiu à plateia, praticamente atirando-se do palco. Cantando o tempo inteiro, ele se debatia em direção ao camarote, onde ele subiu e procedeu a se pendurar em uma das vigas ligadas ao teto. O movimento era irrefreável, não havia uma única pessoa parada.

Mais do que pelo som, show do Machine Girl foi marcado por performances físicas. Foto: Danilo Giraldes

Finalmente, uma conclusão parecia estar à vista. “Psychic Attack” e “ATHOTH A GO!! GO!!!” vinham para fechar, com chave de ouro, uma apresentação que avassalou a audiência. Após múltiplos saltos de fãs entusiasmados e bate-cabeças contínuos, o fervor de outrora foi substituído pelo cansaço de mais de uma hora de pura adrenalina.

E tem mais

O bis foi breve. Até mesmo o integrante mais exausto do público foi capaz de juntar as energias para dançar uma última vez. Os músicos encapsularam, ali, toda uma noite, cheia de altos e baixos. Repleta de paradoxos constantes, tais quais aqueles que se vêem em roteiros de diretores como David Lynch ou Terry Gilliam, mostrando que a magia que se vê na película pode sim ser recriada na vida real.

Sean sorria enquanto se dirigia lentamente para o backstage. Seu cansaço foi recompensado pela alegria daqueles que chamavam seu nome. Foto: Danilo Giraldes

Matt se despediu vigorosamente. Sean autografou discos que os fãs seguravam e, em seguida, se dirigiu para fora do palco. Depois de uma noite catártica, era hora de ir pra casa. Ir com a energia paradoxalmente esgotada e renovada ao mesmo tempo.

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