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O centro de São Paulo, território marcado pela violência estatal e seus efeitos, virou espaço de formação e emancipação através da cultura hip-hop. Foi ali que nasceu o projeto Entre o Sucesso e a Lama, projeto que tem como objetivo formar 16 MC’s, em sua maioria vindos da Cracolândia, oferecendo um mergulho nos quatro pilares do hip-hop: MC, DJ, grafite e break.
14 de setembro de 2025
Vito Ilegas (_.ilegas)
Danilo Giraldes (mt01_photography)
Idealizado por Edi Rock e Gaspar Z’África, em parceria com o Teatro de Contêiner Mungunzá, a produtora ROC7 e a deputada federal Luciene Cavalcante, o trabalho começou em março de 2024 e seguiu até agosto de 2025, resultando em apresentações, debates e na gravação de um álbum coletivo.
A iniciativa teve origem em um trabalho anterior, "começa com um trabalho de mais de 20 anos atrás, né? Porque o Márcio Vidal, ele é um professor que começou a levar a cultura hip-hop para dentro das escolas, sabe? Colocando em prática a lei 10.639, a 11.645, que inclui as culturas dos povos originários”, explicou Gaspar.
Entre o Sucesso e a Lama chegou em 2024, quando Edi Rock, do Racionais MC’S, se encontrou com jovens da região da Luz no Teatro do Contêiner, abrindo caminho para que suas histórias fossem finalmente ouvidas.
“Então, são 16 jovens daqui da região da Boca do Lixo, do território aqui da Cracolândia e cada um com sua história, né? De vida. E esse projeto nasce disso, entendeu? Fazer um álbum contando a história deles daqui da região, desse projeto potente, de impacto", evidencia Gaspar.

Entre o Sucesso e a Lama reúne as trajetórias de Alua (@luarodriguesoficial), Chakal (@originalchakal), Docinho (@mcdocinhozl), Jura, Juremex (@juremex), Laurah Cruz (@laurahcruz), Magno do Rap, MC Cesinha (@mccesinha_bdl), MI Maya (@mi.maaya), Nego Bala (@negobalamc), Onã (@onabxd), Ryan MC, RK (@m3nork), Rogerinho do Carmo, Sócrates e Xocolate (@xocolateofc, @x.ocolate)
As bases das faixas foram produzidas coletivamente, com contribuições de Franja e DJ Tano, e destaque para o MC Chakal, que dobrou voz em todas as músicas e contou ter chorado durante as gravações de algumas delas, “isso nunca tinha acontecido antes”, relatou. Essa multiplicidade se traduziu em um mix de estilos, do boombap ao funk, e histórias pessoais que dão corpo, profundidade e afeto ao trabalho.
“Aqui a gente tem um mixing, né? Uma mistura disso tudo. Então, acho que é aí que tá a riqueza. Além das variações de batidas, de estilos, você também tem a história de vida de cada um. Então, eu acho que a grande riqueza do projeto é isso”, resume Gaspar.
Ao longo dos seis meses, além das oficinas, houve mais de dez mesas de debate sobre territorialidade e redução de danos. Os encontros mantinham os jovens longe da rua por quatro horas diárias, ocupados em pensar e praticar arte.

Chakal durante apresentação no Teatro de Contâiner. Foto: Danilo Giraldes
Entre os relatos, a história de Nego Bala simboliza a virada de chave que o projeto propõe. Como alguém que esteve antes mesmo do ínicio do Entre o Sucesso e a Lama, contou:
Eu e o Nego Mor, nós tava na Quebrada, o Nego Mor, também residente aqui da Quebrada e nós tava trocando ideia, mano, tá ligado? Da vida, vários bagulho, o Nego Mor também é rapper, brabo das antigas, visionário.
E alguém passou por nós assim e falou: "Mano Mor e Nego Bala, o Edi Rock tá lá no Teatro de Contêiner. Cês não quer colar lá não? Seu pai já tá para ir embora". Foi nessa daí que eu falei: "Cara, Nego Mor, vamos lá, mano. Cê é louco, nós não pode perder essa oportunidade, já pensou nós cantar um bagulho com o paizão? Sei lá, dar um abraço nele". Aí nós veio, mano, aí desceu para cá, tá ligado? Quando chegou aqui, eu acho que ele já estava na última música mesmo, nós encostou do lado da escada, do lado direito da escada do Teatro de Contêiner e nessa hora que nós encostou, eu lembro que o DJ soltou o beat da Nego Drama.

Nego Bala ao lado de MC Cesinha. Foto: Danilo Giraldes
O paizão pediu para voltar, olhou para mim Nego Bala para o Nego Mor e estendeu o microfone na nossa direção. Na hora, mano, eu fiquei em choque, tá ligado? Não acredito que podia ser verdade, achei que tinha alguém atrás de mim, não sei (risos). E aí ele caminhou e ia na nossa direção. Ele veio caminhando na mesma proporção que ele veio. O back vocal naquele dia também veio junto e aí um microfone veio para a minha mão e outro microfone foi para a mão do Nego Mor e a batida já estava entrando no timing e a gente cantou: "Essa é para você. Nego Drama, entre o sucesso e a lama".
Cantando essa música com Edi Rock naquele momento, eu realizei um sonho. Foi uma virada de chave na minha vida que me trouxe outras portas e outra chave que é, no caso, Entre Sucesso e a Lama. Naquele dia o Edi Rock, ele veio comigo e falou: "Caralho, pretão, se a gente faz um projeto, mano, no caso, a gente traz mais artistas do território para esse momento não ficar só aqui hoje, para essa fita acontecer de outras forma, com outros artista". Falei: "Cê é louco, paizão, para nós vai ser gratificante”.
Foi aí, então, que nasceu o Entre o Sucesso e a Lama.
Hoje somos formado por 16 artistas incríveis, os professor aí, os paisão que trouxe a cultura do hip-hop para nós, os quatro elemento, juntamente com o ROC7. E nós tá indo nessa parceria imensa.

"É doce mas não é pra todo mundo", MC Docinho. Foto: Danilo Giraldes
O fim das oficinas no Teatro de Contêiner, com um show de encerramento dia 05/09, marcou apenas uma etapa. O álbum gravado pelos MC’s deve ser lançado até o fim do ano. O plano, segundo Gaspar, é que, com os conhecimentos adquiridos e as vivências, os artistas possam circular independentemente, construindo carreiras de sucesso, dentro e fora do centro.
“O objetivo deles, o nosso, da ROC7, do Anderson Franja, do Edi Rock é que eles possam circular, tá ligado? Que eles possam sair, não ficar só no centro. Tem moleque lá na quebrada que nunca veio no centro. E às vezes tem gente aqui do centro que não vai para a quebrada.”


Alua, Amanda e Magno do Rap. Foto: Danilo Giraldes
O nome do projeto, Entre o Sucesso e a Lama, além de uma homenagem, carrega a ambiguidade da luta diária entre a vulnerabilidade e a emancipação. Para Gaspar, o projeto reflete diretamente o poder de transformação da arte.
“O hip-hop me resgatou, tá ligado? A música rap salvou muitas vidas, o hip-hop. E é isso que a gente tá fazendo aqui, meu irmão.”
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