Gabi e Mafra da banda Mãe Que Dá Medo tocando lado a lado

Entrevista Exclusiva

Mãe Que Dá Medo: Harsh noise, experimentação e o “som em sua totalidade” do duo alagoano

Os músicos dão um panorama geral da carreira e comentam seu novo lançamento, o álbum "Manejo Fálico", no nosso podcast

14 de dezembro de 2023

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@florivora

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Milena Rocha

No final de 2023, os maceioenses Gabi e Mafra, do Mãe Que Dá Medo, lançaram seu primeiro álbum, “Manejo Fálico”. Contando com dez faixas inéditas, o disco deixa claro o que querem dizer quando dizem que "a principal intenção da dupla é explorar a fundo a música enquanto som, não se baseando somente na teoria musical, mas sim no material sonoro em sua totalidade: dissonâncias, distorções, improvisação e, principalmente, ruídos”.

Para entender como acontece essa exploração, nós trouxemos a dupla para um faixa-a-faixa no episódio do nosso podcast Gazeta Juvenal. Eles explicaram seu processo criativo e contaram as histórias por trás das faixas.

Conhecendo a banda

Ao serem questionados sobre quem é a Mãe Que Dá Medo, Gabi e Mafra não pensaram em como se descreveriam como banda. A reação inicial foi explicar que a mãe, na verdade, não existe. 

Talvez por já terem sido questionados sobre o significado do nome tantas vezes, eles começam explicando a personagem "mãe". Gabi dá aulas de música e uma das suas alunas tinha uma mãe que, bom, dava medo. “Tem aquele termo ‘Karen’ nos Estados Unidos. Aquela mulher loira, que te deixa muito desconfortável, aquelas mulheres bem ricas, meio estranhas”, compara. 

Eles comentaram sobre essa pessoa com uma amiga que sugeriu que esse se tornasse o nome da banda, e assim foi. Gabi ainda ressalta: "Não é minha mãe, minha mãe não dá medo. Nem a mãe do Mafra". Ele complementa: "Minha mãe dá medo, mas não é ela". E Gabi finaliza: "Minha mãe se sente até ofendida com o nome. Eu escondi por muito tempo o nome dela. (risos)"

Apesar da origem simples, o nome dá pano pra manga de interpretação. Mafra narra o episódio em que conheceu uma psicanalista que olhando séria para ele questionou "mas você sabe que a mãe que dá medo é o pai, né?"

Partitura impossível da "Música Para Piano Op. 420"

Partitura impossível da "Música Para Piano Op. 420" presente no álbum "Manejo Fálico"

O começo do medo

Antes de ter nome, antes mesmo de ser banda, Mafra e Gabi eram adolescentes numa sala de aula do Ensino Médio — sala essa que Mafra invadiu.

“Eu encontrei um amigo que estudava na mesma sala que a Gabi… A ideia era botar a farda do colégio e ir ver a aula com ele de tarde, era só isso”, Mafra afirma, seguido por Gabi: “Aí eu olhei pro lado e falei ‘véi, quem é esse pivete?’, ‘porque tem uma criança na sala?’”

Mas demorou um tempo para que a amizade deslanchasse — e, junto dela, os projetos musicais. Foi só durante a pandemia, alguns anos depois da invasão da sala de aula, que eles se isolaram juntos e começaram a criar. 

Gabi conta: “Cancelaram a gente porque a gente ficou junto [durante a pandemia], mas a gente não saía de casa. Eu levei uns instrumentos [para casa do Mafra] e a gente começou a tocar dentro do closet da avó dele”. 

Eles comentam que não sabiam bem o que queriam fazer, mas existia uma vontade de fazer algo, de ter uma banda. “O projeto começou com eu e a Gabi fazendo besteira. Sendo jovem e fazendo rock”, explica Mafra.

Depois do pontapé inicial, vieram paralelamente outros projetos. Gabi é baixista na banda de shoegaze Quarto Vazio e tem um projeto solo de música ambiente eletrônica intitulado fffffffff. O projeto solo de Mafra, m4fr, tem a intenção de ser intimista e experimental sem se ater a um gênero específico. Ele passou pelo harsh noise, ambient com um pézinho no shoegaze e participou de “Lobotomia”, faixa na primeira parte do álbum “Confortavelmente Confuso”, do artista de mesmo nome.

Mafra tocando bateria

Um dos membros do duo, Mafra, tocando bateria. Foto: marx horta

Pedala, mãinha!

Ao explicar como a banda funciona, Gabi diz que cada um grava o que costuma conseguir tocar melhor ao vivo. “Eu gravo baixo e guitarra, Mafra grava bateria e voz em algumas faixas”. 

Clemens, o antigo terceiro integrante, entrou quando a banda já estava criada, tocava baixo e compôs algumas partes de músicas. Mas ele saiu um tempo depois. 

Mafra diz que a banda não tem show igual. “No geral, a gente tenta botar mais coisa do que faz no ao vivo, a gente sempre tenta fazer o ao vivo diferente”. Mas, mesmo com essa exclusividade em cada show, eles costumam seguir uma estrutura base que se separa em dois momentos.

No primeiro momento, Mafra fica na bateria e Gabi na guitarra. Os instrumentos – e o que mais houver – são reproduzidos gravados por eles tocando junto. O segundo é onde o harsh noise brilha: a bateria de Mafra vira um microfone sendo violentamente sacudido dentro de uma caixa e a guitarra da Gabi vira pedais. Mas é importante lembrar que os pedais não ficam só na segunda parte. Eles são uma constante, o tempero característico dessa mãe medonha.
Ao falarmos de harsh noise e outros estilos associados a banda – metal e música eletrônica – fica claro que a preocupação da banda não está nos rótulos dos gêneros, mas no potencial criativo deles. Com a palavra, Gabi: “Eu acho que a gente não se preocupa [em se manter nesses rótulos], virou isso”. Ela segue: “Em nenhum momento, a gente falou ‘quero fazer um projeto de metal com música eletrônica’. Só meio que ficou assim”.

A experimentação sempre foi o objetivo maior da Mãe Que Dá Medo. Pelo menos é o que eles dizem  quando questionados se então existe a possibilidade de um dia a banda lançar um “sertanejo-forró-harsh noise”. Os olhos de Mafra brilham pensativos e Gabi exclama um bem-humorado “com certeza!”.

Gabi tocando guitarra

Um dos membros do duo, Gabi, tocando guitarra. Foto: Douglas Henrique.

Ganhando o Brasil

Apesar da mini turnê no começo de novembro ser uma experiência nova, a Mãe Que Dá Medo não é uma completa estranha na vivência de tocar fora do seu estado natal. A dica da banda para outros artistas que querem fazer o mesmo é simples: tenha amigos.

“A gente já fez muito show e boa parte quem salvou foi amigo”, diz Mafra, que ressalta, rindo, a importância de fazer conexões.

Ter uma rede de apoio e contatos que podem te acolher e te ajudar a reduzir custos com transporte, hospedagem e alimentação. E, além da experiência de tocar fora, ainda dá pra turistar.

Outra experiência bacana que a banda teve foi ser selecionada em um edital do Secretaria da Cultura de Alagoas para um festival de rock organizado pelo estado. Eles comentam que não tinham nenhuma esperança de serem selecionados, porque na experiência anterior se classificaram em penúltimo lugar, com uma nota 2,5 de 10.

mãos manejando pedais de guitarra e um microfone dentro de uma caixa

Duo fazendo barulho com uma de suas famosas caixas. Foto: Douglas Henrique.

Mas a banda não deixou que isso desanimasse e tentou um edital novamente. “Eu virei pro Mafra e falei ‘seguinte, a gente vai maquiar a banda inteira, mostrar pra eles que a gente é uma coisa que a gente não é. Que a gente é uma banda de rock mesmo, rock boomer’”, conta Gabi. “Aí a gente escondeu a parte mais noise da banda”. Mafra diz que o grupo não escondeu que fazia noise, pra ser complementado por Gabi: “A gente não mentiu. Eu trabalhei pra caralho pra deixar as coisas bem bonitinhas, o release, o portfólio e tal. E os caras, pelo jeito, gostaram”.

Mas quem não pareceu gostar muito foi o público. “A gente foi ver os comentários do YouTube [no vídeo da live produzida pela Soneca] e tinha um monte de gente xingando a banda: ‘Como assim essa bosta passou no festival do rock?’”. Gabi ressalta o contraste que será o projeto deles ao lado de covers de Guns N’ Roses, e Mafra vê esse fato com bom humor: “vai ser legal ver as pessoas ao vivo”.

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