Entrevista

Pedro Lanches faz retrato intimista da juventude em “veio sem maionese”

Projeto solo fala sobre desencontros emocionais e marca início de nova fase do artista sul-mato-grossense.

23 de abril de 2025

Texto: 

Gabriel Holanda (@holandior)

Imagens: 

Mariana Blum (@mariblumm)

Muito se fala hoje sobre a descentralização do cenário musical independente no Brasil. Pedro Paulo, vulgo Pedro Lanches, é um exemplo disso. Originário de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, começou a se envolver com música e criar suas primeiras composições ainda com pouca idade e longe do tradicional perímetro de São Paulo.

Agora, recém-chegado à capital paulista e carregando sua bagagem artística adquirida ao longo dos anos, o resultado se manifestou no lançamento do seu primeiro disco, “veio sem maionese”, lançado em novembro do ano passado e apresentado com show ao vivo em dezembro no Bar Alto. O álbum — que tem influências indo desde Swervedriver e Smashing Pumpkins até Radiohead — narra histórias de melancolia tanto com intensidade quanto com introspecção, alternando entre instrumentações explosivas e baladas lentas que evocam uma sensibilidade emocional típica da juventude.

Ao fim do show, no mezanino do Bar Alto, o Desconhecido Juvenal conversou separadamente com o artista e a banda. Entre reflexões sobre jornadas pessoais e processos criativos, o que surge é a figura de um projeto onde a dicotomia entre o íntimo e o coletivo encontram, em forma de quinteto, um lugar próspero para florescer. 

Emoção amplificada é o resultado do encontro entre o microfone e o artista. Foto: @mariblumm

Um desejo de longa data

Na infância, Lanches tinha rituais pouco convencionais que indicavam o que seria seu futuro. Quando criança, a gente tinha uma brincadeira de criar uns personagens de desenhos, e eu, muito inspirado por NX Zero, criei um boneco bem Punk, todo de moicano e tal. Aí comecei a fazer umas músicas que esse personagem possivelmente cantaria. Hoje eu vejo que isso talvez fosse um reflexo do que eu sempre quis ser”, recorda.

O que parecia uma brincadeira lúdica acabou manifestando o desejo de criar uma personalidade musical. Porém, fora expoentes de música regional, o compositor conta que crescer em Campo Grande e ver poucas expressões artísticas por lá sempre o atingiram. “Eu me perguntava o porque ninguém estava fazendo aquilo”, diz. Para ele, essa escassez influenciou seu processo de composição. “Procuro criar sons que eu gostaria de ouvir. Às vezes, imagino tal banda fazendo música de tal jeito, ai eu vou lá e tento fazer”.

A diferença entre espaços e manifestações artísticas ficou evidente ao mudar-se para a cidade de São Paulo. “Entrar em contato pela primeira vez com os rolês do underground foi algo chocante. Mesmo que eu não faça esse tipo de som, é algo que te faz pensar sobre os diversos movimentos culturais que acontecem e que a gente não conhece. Eu jamais saberia que isso existia se não tivesse presenciado”.

Se para enxergar é necessário luz, o público deixa claro para a banda que ali estavam bem presentes. Foto @mariblumm

Quando a maionese não vem

No processo de conceber o disco, o guitarrista reflete sobre os diferentes períodos de criação e sua influência sobre o resultado final. “As composições são acumuladas de vários anos e, consequentemente, de vários momentos e mentalidades diferentes da minha vida. Acho que isso dá um contraste interessante pro disco”, relata.

Ele ainda comenta que o período que passou durante as gravações com o brasiliense Gustavo Bertoni, produtor do álbum, “foi muito engrandecedor”. O trabalho com Gustavo — que ganhou notoriedade como vocalista da banda Scalene — fez Pedro adquirir um novo ethos de trabalho. “Eu não posso me dar o privilégio de dizer que ‘hoje não vai sair nada’. O Gustavo é um cara extremamente criativo e que sempre acha soluções, então eu me inspirei muito nisso”. 

Quando finalmente apresentou o projeto ao vivo, as expectativas — que eram nulas, segundo ele — gradualmente foram se alterando. “Superou muito as expectativas. Um ano atrás isso era tudo que eu mais almejava, lançar um disco e ver as pessoas cantando minhas músicas”, finaliza.

Tem como receber aplausos sem ficar tímido? Pedro ainda está descobrindo. Foto: @mariblumm

Bom projeto, time à altura

Reunir os músicos certos para interpretar canções criadas com identidade própria é um desafio. Cada um dos membros da banda tem uma trajetória única até se integrarem ao projeto do sul-mato-grossense.

Lucas Anderson, baterista e conterrâneo, conta que Pedro o chamou em 2020, depois do lançamento de um trabalho que ele gostou. “Um dia, convidei ele para um ensaio com uns amigos e foi do caralho, mas logo depois ele se mudou”, conta. “Em 2023, ele me convidou pra gravar umas músicas do disco dele. Aceitei na hora e viajei até São Paulo pra isso. Eu também já estava pensando em me mudar por causa do fim da minha faculdade e não tinha momento melhor. Hoje eu sou colega de quarto do Pedro”.

Já Pedro Zurma, tecladista e guitarrista, conta que tudo aconteceu ainda na faculdade de produção fonográfica, mencionando o coletivo de produção musical chamado Anteontem – fundado em conjunto com o guitarrista Guïdo Almeida e o baixista Léo Sardela – como o responsável por essa união. “A história toda começou quando o Pedro convidou a Bia Balugani, artista que produzimos o seu primeiro EP, para cantar na sua música ‘Jantar’. A gente tocou no show de estreia dela, e o Pedro estava lá, gostou e, duas semanas depois, mandou mensagem perguntando se a gente tinha interesse em tocar com ele no seu projeto. Depois de ouvir as demos, aceitamos sem pensar duas vezes”.

Arrumadinhos de camisa azul: é assim que a banda toca. Foto: @mariblumm

Quem se adapta faz do novo um lar 

Quando se entra em território desconhecido, é necessário observar onde se pisa — ou, nesse caso, como se toca o instrumento. Para isso, cada integrante ajustou-se à própria maneira a fim de unificar a sonoridade e performance do “veio sem maionese”. 

“Com certeza o álbum fez eu mudar o jeito de tocar. Os timbres, o uso de guitarras diferentes… Então, eu me adaptei completamente pro show dele", diz Guïdo.

Outros saíram totalmente da zona de conforto: “Eu nunca tinha tocado desse jeito mais pegado, com palhetada e distorção. Tive praticamente que reaprender a tocar baixo, mas tá sendo muito da hora”, conta Léo. 

Módico, Zurma relata que a questão não foi tanto se adaptar ao estilo musical, mas sim compreender seu papel dentro do grupo. “Os caras são uns puta musicistas, então eu pensei em como eu poderia usar minha individualidade para elevar o projeto que já estava super sólido e entrosado”.

Sob as luzes fulvas, o palco quase vira pista de dança. Foto: @mariblumm

Um tanto quanto sentimental

Ante ao estreito espaço de shows do Bar Alto, Lanches observava atônito, ainda nas primeiras músicas, a reação positiva do público, que vibrava logo quando reconhecia as primeiras notas das canções. Ao microfone, dizia que aquilo “era um sonho de criança”.

Em determinado momento, a banda tocou um cover de Sentimental, do Los Hermanos, canção à qual Pedro dedicou aos seus pais, que, automaticamente, encadearam um abraço carinhoso enquanto fitavam, com olhares de fascínio, o filho em cima do palco. Ao fim do show, Regina, mãe, relata acompanhar o filho desde o primeiro instrumento. “Então, eu tô bem emocionada”. Fábio, pai, diz em seguida que “a banda que ele arrumou é de alto nível técnico, muito boa. Ele ainda fez a homenagem cantando Amarante, que sou fã. Mas as músicas autorais dele, essas sim, me cortam o coração e nos enche de emoção”. 

O resultado da primeira apresentação rendeu elogios do público e dos pais. Foto: @mariblumm

O que o futuro nos guarda? 

Distante de ser um encerramento de ciclo, a estreia das apresentações ao vivo com o disco lançado marcam um novo início: o de uma jornada ao lado de amigos e oportunidades dentro de uma cidade com cenário musical forte. 

Agora com seu time já formado e o primeiro álbum fazendo barulho, Pedro Lanches começa a expandir horizontes criativos para além das composições pessoais. “Atualmente tô fazendo umas produções de músicas pra uma banda chamada Sala de Espera, além de estar produzindo o disco da Funérea”, conta. 

Assimilando tudo o que aconteceu durante o show, ele resume o atual momento de sua carreira em frase concisa e de tom esperançoso, afirmando que “é o começo de algo muito animador”. 

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