Baterista Nat sentada a frente de uma parede preta onde se lê o nome da casa "A Porta Maldita" em letras estilizadas geometricamente.

Cobertura

Mascaralho: bandas mostram em noite tripla como se termina o ano com fôlego

Música das bandas Penna, Eletroradiobras e Abysstrace inundam A Porta Maldita em clima de final de ano.

11 de janeiro de 2024

Texto: 

@_ilegas

Imagens: 

@_dom_

Às 18:30, as pessoas já começavam a chegar ao Porta Maldita para o que eles chamavam de Mascaralho. Estavam lá atrás de bandas novas, surgidas ainda naquele ano. Uma delas, inclusive, estreante e cheia de expectativa. Era como embarcar em uma viagem para uma ilha desconhecida. Enquanto isso, o som rolava solto no camarim à medida que latinhas eram abertas e a fumaça subia. No palco, Penna dava os toques finais junto com sua banda à sua apresentação de estreia.

O set musical de Penna é diversificado e mescla composições autorais e covers. É um Indie Rock com nuances de R&B e MPB, combinando elementos acústicos e elétricos em arranjos jazzísticos. 

Já no show, o público se animou e entoava os conhecidos refrões. Apesar de pequenos percalços — entre eles, uma guitarra desafinada — as palhetadas, os solos e a harmonia do conjunto brilhavam como gotas de água sob o sol.

A interação constante com o público conferia ao show uma atmosfera descontraída e íntima. Penna atuava como um capitão, guiando sua tripulação. Os pedidos para cantar junto, bater palmas ou até pedir para quem estava na frente se apresentar para o público atrás proporcionavam uma experiência interativa e divertida.

Penna canta e toca animado.
Vocalista
Membros da banda se empolgam
Baixista

Show do Penna. Fotos: Pedro Alonso

Trajetória e união sinistra

Originando-se do Indie, Penna teve sua carreira musical transformada após encontrar Jorge Ben Jor. Isso o levou a mergulhar de cabeça nas águas profundas da música brasileira, onde foi recebido por Tom Zé e Nara Leão. Suas composições passaram a refletir a influência da Tropicália, MPB e vanguarda paulistana. Assim, procurou uma banda de apoio que “usasse a imaginação através do jazz”, de forma criativa e versátil, onde pudesse compor de maneira conjunta, homogênea e livre.

Formada por Nathalia, no backing vocal, Pedro Mello, na guitarra, Lucas Santana, na bateria, Trash, no baixo, Lucas G, na percussão, e Lucas Vigini, no teclado, a maioria da banda de Penna é moradora da mesma república de artistas — ou “crack house”, como eles mesmos dizem — em Santana, na Zona Norte da capital paulista. Região essa da cidade que, como muitas outras, carece de casas de show, estúdios e outros espaços fundamentais para a produção, disseminação e sobrevivência da música independente.

Para aquela noite, Penna preparou um set advindo da fusão entre Frank Ocean e Jorge Ben Jor. “Procurei juntar letras mais modernas com o ritmo que mundializou o Brasil”, diz ele. Perguntado se apresentação ao vivo é uma dança ou confronto com o público, Penna afirma que supera seus medos e segue sua voz interior ao invés de seus instintos.

A hora da fotossíntese

Eletroradiobras inicia seu show de modo enigmático, resultando em uma música que navega de forma sinuosa e até ‘traiçoeira’ entre a plateia. O refrão irrompe inesperadamente e cresce sem não antes abraçar a todos num psicodélico giro da morte.

As músicas seguem essa trilha, até que um monólogo sobre fotossíntese — ao estilo abstrato de Funkadelic — surpreende a plateia. Foi como se ali fosse jogada uma carne aos músicos, que eram como tubarões. 

A voz calma de Jony versa delírios românticos. Lucas, o baterista, é um bate-estaca. O baixista, Matos, um verdadeiro espanca-baixo. E, Bruno, o tecladista… só falta tocar com a bunda. O caos não remove o ar de psicodelia, como vapor condensado no vidro.

Eletroradiobras se define como uma banda de “psicorock, não de psicodélico mas de psicótico mesmo”. Segundo eles, o “rock psicótico” é feito de músicas que estavam guardadas por Jony e emergiram aos palcos depois que Tatá Aeroplano — uma figura influente no cenário musical independente — convidou Jony para abrir um de seus shows no Picles há um ano. Lá, ele conheceu os demais membros da banda da formação atual.

Integrantes durante shiow
Jony cantando
Detalhe do teclado Juno-G

Show da banda Eletroradiobras. Fotos: Pedro Alonso

Mudanças e intenções

Uma das diferenças entre a antiga e nova formação é a presença do teclado. Sobre isso, Bruno conta que teve que bolar o teclado todo do zero, fazendo uso de timbres vintage, “porque é super divertido tocar teclado com o estilo dessa época”.

Fazia parte do show momentos de improvisação e experimentação. Começando pelo primeiro, destacando o “monólogo estilo Funkadelic sobre fotossíntese”, Matos comenta que fazem essa improvisação todo show. “Uns dão mais certo que outros. Mas a intenção dessa parte é deixar o público desconfortável, na real”, diz. Para ele, é como um cabo de guerra entre quem vai se sentir mais desconfortável, nós ou o público. 

Matos complementa sobre o tecladista, que também é jornalista científico: “O Bruno tem uma predileção por temas apocalípticos do El Niño… então você não vai curtir o show não, a gente vai pesar sua mente”. 
Já sobre a experimentação, o baixista Matos conta a origem do fuzz para baixo usado na apresentação. “Como éramos um trio inicialmente, havia partes que pediam mais peso e o fuzz de guitarra traz esse peso de guitarra que o baixo não tem. Mas fuzz é foda, é um vício. ‘Com grandes poderes vem grandes responsabilidades’ e a gente não tem responsabilidade nenhuma”, diz, seguido de risos tão psicóticos quanto o som que faz.

Para finalizar, o baterista Lucas conta como não se afoga dentro desse redemoinho musical. “É uma doidera. A gente toca de tudo e adaptar isso de um gênero para o outro é uma loucura. Então, acabo misturando tudo e tendo um resultado inesperado. É bem divertido”.

Quem é do rock?

Sobe ao palco um quarteto mascarado. Por trás das máscaras, os integrantes da Abysstrace, estavam Nat, Viguini, Alquimista e Ely, que parecia o fantasma da ópera com cabelo longo. Eles começam uma viagem que vai da superfície do Pop-Punk às águas abissais do Stoner Metal. O público reage diferente a cada subgênero, por vezes extasiado, como se boiassem num mar calmo, por vezes batendo cabeça e eventualmente abrindo um mosh. 

Para além da diversidade musical, a coletividade foi um elemento marcante, mostrando uma banda que vai muito além do solo de guitarra. O teclado solo de Viguini acrescenta elementos de Rock Barroco e uma atmosfera desoladora e sintetizada pro show.  

Em uma das músicas, a voz de Nat foi um canto lírico e pesado, uma mistura de Evanescence com Pidgey Harvey. Em outra, Alquimista cantou um barítono poderoso e baixo.

Alquimista tocando baixo
Nat, baterista, cantando
Ely interpretando
Viguini tocando guitarra em frente a um sintetizador

Show da Abysstrace. Fotos: Pedro Alonso

Tá na hora da turma do Júlio

Momento insólito foi durante o bis. No meio de um cover de “Heart-Shaped Box”, do Nirvana, Ely trocou a letra do terceiro verso pelo começo de “Monstro da Palha”, do seriado Cocoricó, mostrando que também conhecem de Rock Rural.

Com poucos meses de existência, Abysstrace comentou com a gente como organizam o turbilhão que é a diversidade do repertório deles. Nomes do Grunge, Heavy Metal, Jazz e Samba eram frequentes na conversa. Eles destacam que o planejamento da sequência das músicas é fundamental “para que o ouvinte possa fazer essa viagem passo a passo”, de maneira fluida. 

Sobre as máscaras, falaram que é “um tudo pelo personagem não intencional”, mas que no final, mostrou-se uma forma lúdica de expressão. E em relação aos planos para o futuro, disseram para “ficarmos atentos”, pois “trarão muitas novidades logo nos primeiros meses de 2024”.

Vida noturna nossa de cada ano

E foi nessa expectativa para o começo do novo ano que o público encerrou a noite. Na alta madrugada, as poucas pessoas que restavam se dirigiam para a saída — claro, sem esquecer suas latinhas. E prontos para embarcar em novas viagens.

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