Às 18:30, as pessoas já começavam a chegar ao Porta Maldita para o que eles chamavam de Mascaralho. Estavam lá atrás de bandas novas, surgidas ainda naquele ano. Uma delas, inclusive, estreante e cheia de expectativa. Era como embarcar em uma viagem para uma ilha desconhecida. Enquanto isso, o som rolava solto no camarim à medida que latinhas eram abertas e a fumaça subia. No palco, Penna dava os toques finais junto com sua banda à sua apresentação de estreia.
O set musical de Penna é diversificado e mescla composições autorais e covers. É um Indie Rock com nuances de R&B e MPB, combinando elementos acústicos e elétricos em arranjos jazzísticos.
Já no show, o público se animou e entoava os conhecidos refrões. Apesar de pequenos percalços — entre eles, uma guitarra desafinada — as palhetadas, os solos e a harmonia do conjunto brilhavam como gotas de água sob o sol.
A interação constante com o público conferia ao show uma atmosfera descontraída e íntima. Penna atuava como um capitão, guiando sua tripulação. Os pedidos para cantar junto, bater palmas ou até pedir para quem estava na frente se apresentar para o público atrás proporcionavam uma experiência interativa e divertida.
Show do Penna. Fotos: Pedro Alonso
Originando-se do Indie, Penna teve sua carreira musical transformada após encontrar Jorge Ben Jor. Isso o levou a mergulhar de cabeça nas águas profundas da música brasileira, onde foi recebido por Tom Zé e Nara Leão. Suas composições passaram a refletir a influência da Tropicália, MPB e vanguarda paulistana. Assim, procurou uma banda de apoio que “usasse a imaginação através do jazz”, de forma criativa e versátil, onde pudesse compor de maneira conjunta, homogênea e livre.
Formada por Nathalia, no backing vocal, Pedro Mello, na guitarra, Lucas Santana, na bateria, Trash, no baixo, Lucas G, na percussão, e Lucas Vigini, no teclado, a maioria da banda de Penna é moradora da mesma república de artistas — ou “crack house”, como eles mesmos dizem — em Santana, na Zona Norte da capital paulista. Região essa da cidade que, como muitas outras, carece de casas de show, estúdios e outros espaços fundamentais para a produção, disseminação e sobrevivência da música independente.
Para aquela noite, Penna preparou um set advindo da fusão entre Frank Ocean e Jorge Ben Jor. “Procurei juntar letras mais modernas com o ritmo que mundializou o Brasil”, diz ele. Perguntado se apresentação ao vivo é uma dança ou confronto com o público, Penna afirma que supera seus medos e segue sua voz interior ao invés de seus instintos.
Eletroradiobras inicia seu show de modo enigmático, resultando em uma música que navega de forma sinuosa e até ‘traiçoeira’ entre a plateia. O refrão irrompe inesperadamente e cresce sem não antes abraçar a todos num psicodélico giro da morte.
As músicas seguem essa trilha, até que um monólogo sobre fotossíntese — ao estilo abstrato de Funkadelic — surpreende a plateia. Foi como se ali fosse jogada uma carne aos músicos, que eram como tubarões.
A voz calma de Jony versa delírios românticos. Lucas, o baterista, é um bate-estaca. O baixista, Matos, um verdadeiro espanca-baixo. E, Bruno, o tecladista… só falta tocar com a bunda. O caos não remove o ar de psicodelia, como vapor condensado no vidro.
Eletroradiobras se define como uma banda de “psicorock, não de psicodélico mas de psicótico mesmo”. Segundo eles, o “rock psicótico” é feito de músicas que estavam guardadas por Jony e emergiram aos palcos depois que Tatá Aeroplano — uma figura influente no cenário musical independente — convidou Jony para abrir um de seus shows no Picles há um ano. Lá, ele conheceu os demais membros da banda da formação atual.
Show da banda Eletroradiobras. Fotos: Pedro Alonso
Uma das diferenças entre a antiga e nova formação é a presença do teclado. Sobre isso, Bruno conta que teve que bolar o teclado todo do zero, fazendo uso de timbres vintage, “porque é super divertido tocar teclado com o estilo dessa época”.
Fazia parte do show momentos de improvisação e experimentação. Começando pelo primeiro, destacando o “monólogo estilo Funkadelic sobre fotossíntese”, Matos comenta que fazem essa improvisação todo show. “Uns dão mais certo que outros. Mas a intenção dessa parte é deixar o público desconfortável, na real”, diz. Para ele, é como um cabo de guerra entre quem vai se sentir mais desconfortável, nós ou o público.
Matos complementa sobre o tecladista, que também é jornalista científico: “O Bruno tem uma predileção por temas apocalípticos do El Niño… então você não vai curtir o show não, a gente vai pesar sua mente”.
Já sobre a experimentação, o baixista Matos conta a origem do fuzz para baixo usado na apresentação. “Como éramos um trio inicialmente, havia partes que pediam mais peso e o fuzz de guitarra traz esse peso de guitarra que o baixo não tem. Mas fuzz é foda, é um vício. ‘Com grandes poderes vem grandes responsabilidades’ e a gente não tem responsabilidade nenhuma”, diz, seguido de risos tão psicóticos quanto o som que faz.
Para finalizar, o baterista Lucas conta como não se afoga dentro desse redemoinho musical. “É uma doidera. A gente toca de tudo e adaptar isso de um gênero para o outro é uma loucura. Então, acabo misturando tudo e tendo um resultado inesperado. É bem divertido”.
Sobe ao palco um quarteto mascarado. Por trás das máscaras, os integrantes da Abysstrace, estavam Nat, Viguini, Alquimista e Ely, que parecia o fantasma da ópera com cabelo longo. Eles começam uma viagem que vai da superfície do Pop-Punk às águas abissais do Stoner Metal. O público reage diferente a cada subgênero, por vezes extasiado, como se boiassem num mar calmo, por vezes batendo cabeça e eventualmente abrindo um mosh.
Para além da diversidade musical, a coletividade foi um elemento marcante, mostrando uma banda que vai muito além do solo de guitarra. O teclado solo de Viguini acrescenta elementos de Rock Barroco e uma atmosfera desoladora e sintetizada pro show.
Em uma das músicas, a voz de Nat foi um canto lírico e pesado, uma mistura de Evanescence com Pidgey Harvey. Em outra, Alquimista cantou um barítono poderoso e baixo.
Show da Abysstrace. Fotos: Pedro Alonso
Momento insólito foi durante o bis. No meio de um cover de “Heart-Shaped Box”, do Nirvana, Ely trocou a letra do terceiro verso pelo começo de “Monstro da Palha”, do seriado Cocoricó, mostrando que também conhecem de Rock Rural.
Com poucos meses de existência, Abysstrace comentou com a gente como organizam o turbilhão que é a diversidade do repertório deles. Nomes do Grunge, Heavy Metal, Jazz e Samba eram frequentes na conversa. Eles destacam que o planejamento da sequência das músicas é fundamental “para que o ouvinte possa fazer essa viagem passo a passo”, de maneira fluida.
Sobre as máscaras, falaram que é “um tudo pelo personagem não intencional”, mas que no final, mostrou-se uma forma lúdica de expressão. E em relação aos planos para o futuro, disseram para “ficarmos atentos”, pois “trarão muitas novidades logo nos primeiros meses de 2024”.
E foi nessa expectativa para o começo do novo ano que o público encerrou a noite. Na alta madrugada, as poucas pessoas que restavam se dirigiam para a saída — claro, sem esquecer suas latinhas. E prontos para embarcar em novas viagens.
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