
Entrevista Exclusiva
menino thito fala sobre novo EP e influências do Soul ao Rock
8 de outubro de 2023
O que faz um artista multidisciplinar? A resposta óbvia é dominar várias áreas do conhecimento. Mas conversar com o menino thito fornece uma nova perspectiva: a de que ter a sabedoria de abrir mão do controle e confiar no trabalho daqueles que se admira é uma aptidão tão essencial quanto o saber fazer de tudo um pouco. Ele soma essa habilidade ao seu arsenal de cantor, produtor, compositor, artista visual e multi-instrumentista.

Capa do EP !Que Bom Que Chegou!
No seu novo EP, !Que Bom Que Chegou!, menino thito usou de todo seu potencial criativo e também juntou um time de músicos à artistas visuais ao qual deu liberdade para trazerem sua própria visão e interpretação da história que está sendo contada.
A história trata de dois jovens racializados da periferia de uma grande cidade que vivem um amor homoafetivo. Uma história comum, mas frequentemente enterrada no cemitério midiático a sete palmos da superfície da cultura hegemônica. Uma narrativa tão necessária não poderia ter melhor veículo do que as músicas de menino thito. Ademais, a sonoridade do seu Rap eclético com pitadas de Indie Rock brasileiro prende a todos.
E foi em primeira mão que ficamos sabendo que essa história está no processo de pré-produção para se tornar um curta. Por estar numa etapa muito preliminar, os detalhes são escassos, mas vale a pena ficar de olho no que vem por aí e ouvir o primeiro episódio do nosso podcast onde menino thito não só comentou sobre o curta, mas passou faixa-a-faixa pelo novo EP dando detalhes sobre o processo criativo, inspirações, significados e curiosidades.
Thito nasceu no começo dos anos 2000. “Eu tenho 22 anos, vou fazer 23 agora 27 de outubro, junto com o Lula, Mauricio de Souza (risos) e um outro artista que eu sou muito fã que já faleceu que é o Scott Weiland da Stone Temple Pilots. Eu cresci na Zona Leste de São Paulo, nunca saí daqui, morei em vários lugares da região com meus pais, então acabei me tornando muito bairrista, não sei se sairia daqui. É uma questão familiar e cultural."
Ele explica que desde pequeno sempre teve contato não só com música, mas com artes no geral. Inclusive, a música não era uma perspectiva de carreira para ele, esse espaço era reservado às artes visuais.
“Eu tinha uma aversão a ideia de estudar música, teoria musical, porque tinha muito a questão da matemática, do cálculo… então isso me apavorava. Mas com o passar dos anos eu fui criando uma afeição, mas mais informal. Eu fazia música pra mim”, diz.

Foto: Wesley Souza
Foi por meio da influência familiar que as coisas foram mudando. Influência essa que veio de dois caminhos: através de um livreto de notas básicas de violão que seu pai lhe deu e pela igreja, lugar que frequentou desde que nasceu até os 19 anos. Todos seus familiares tinham envolvimento com a banda da igreja e, segundo ele, isso fez com que gostar de música se tornasse inevitável. Além de que, foi a porta de entrada para novas experiências fonográficas.
"Meu contato com a Black Music não veio do comercial, veio do R&B e Soul Gospel. Tem um grupo, o Templo Soul, que não me pegava pela questão lírica, religiosa, mas sim pela sonoridade”, afirma.
Mas nem só de Soul ele viveu. “Eu escutei muito metal, comecei a tocar guitarra por conta disso. Aí eu escutei muita coisa diferente, coisas básicas como Black Sabbath, Metallica até chegar em coisas contemporâneas como Veil of Maya, Gojira, Crypta, Nervosa. Até que chegou um dado momento da minha vida que eu falei ‘preciso parar de ouvir música em inglês’. Aí, quando eu tinha meus 16 anos, eu comecei a ouvir muito rock brasileiro. Eu conheci a Banda Baleia, Boogarins, [Vivendo do] Ócio… enfim, uma cacetada de banda que até pode entrar um pouco no meu novo trabalho".
Ele comenta sobre como sua afeição pelo rock alternativo foi um caminho até o rap, gênero do qual é muito fã e com o qual identifica seu trabalho.”Não é nem só por uma afinidade sonora, mas por uma questão política. Me entender nesse espaço enquanto um cara preto periférico e pela questão de me afirmar como panssexual. Tem todo esse conglomerado de ideias que se formam num conjunto para que eu possa fazer minha arte. E eu tenho um pouco dessa coisa de não nomear tudo que eu faço como rap."
Ele segue comentando sobre como depois da escola se enveredou pela música e se reconectou com amigos ajudando-os não só com o fazer musical, mas com a parte visual e burocrática do lançamento de uma mixtape. Ao olhar pra trás hoje, ele percebe que as coisas foram feitas de uma maneira amadora, sem estratégia, mas foi o começo do aprendizado. No caminho também fez um curso de Violoncelo em uma iniciativa social que não existe mais.
“Fiquei um ano fazendo violoncelo. Acho que essa é uma das coisas que me fizeram tocar vários instrumentos. Eu me defino como multi instrumentista, mas no sigilo para não ficar tipo ‘nossa, eu toco muito bem todos os instrumentos’ porque não, tem instrumentos que eu toco muito mal”, afirma — e ri.
menino thito quase fez produção fonográfica, mas acabou escolhendo cursar história da arte na Unifesp. Foi nos primeiros meses da vida universitária que gravou seu primeiro álbum, um conjunto de três EPs intitulado "Voyage Délirant".
Perguntado se gosta ou não desse trabalho, comenta que "é uma relação de amor e ódio eterna que eu vou ter. Como qualquer primeiro trabalho de pessoas na música sempre vai ter o ‘gosto muito pouco’ ou ‘gosto muito porque tem sua importância’ porque é isso, esse lance de meter a cara e fazer o primeiro trabalho".
Ele comenta sobre como no seu projeto em grupo, Leste 5 – um grupo de Rap e Hip-Hop alternativo da Zona Leste da capital paulista composto por Alleckz, Tenaz MC, Nihil The Kid e menino thito –, eles arriscaram muita coisa porque tudo era feito por eles. Por conta dessa veia independente e do alto custo de contratar um profissional, depois de algum tempo, menino thito buscou cursos de masterização e estudou por conta engenharia de áudio e mixagem. “Tem pessoas que fazem preços acessíveis, pensando em pessoas da periferia, que super apoiam o corre, mas eu também tinha uma questão de que juntar essa grana era sempre um B.O. porque tinha muita música que eu queria fazer, então eu tive que buscar formas de fazer acontecer”.

Foto: Lucas Valesi
Thito diz que o Leste 5 e sua família foram decisivos para ter autoestima sobre o seu trabalho. “Eu acho que essa coisa do núcleo familiar e amizades conta bastante pra nossa formação pessoal e tudo que vai sair em seguida do nosso trabalho".
Ele continua comentando sobre como seu primeiro álbum abriu o caminho para conhecer novas pessoas que mexem com música e como ele foi lançando novos trabalhos despretensiosamente.
“Eu não pensava muito nessa coisa de bombar, de fazer a parada ser um trabalho. Aí depois de um tempo eu fiquei me perguntando se eu me arrependi de não ter feito produção fonográfica (risos). Porque eu achei que não ia mexer com isso, que não ia trabalhar com essa parada. Num dado momento, eu falei aquela famosa frase que vários artistas usam, que é ‘arte ou morte’. Como historiador da arte, eu nem uso muito desse jargão, eu penso mais na arte-educação e no que a arte me serve. Se ela não alimenta a gente, se ela não necessariamente me dá um teto… A arte não vai garantir que minha casa vai se firmar, nem uma subsistência, mas na verdade é o que nos movimenta. Eu acho que pensar ‘arte ou morte’ nesse sentido seja algo válido. Algo que seja essa força motriz que garante que a gente continue em movimento e se unindo com os nossos, com pessoas que acreditam nas mesmas coisas que nós. Tudo isso vinculado à questão política, porque pra mim o fazer artístico sempre é político. Mesmo que eu não fique o tempo todo falando de coisas da politicagem em si ou de questões sociais. Falar de amor também é um fazer político."
Voltando a falar sobre seus primeiros trabalhos, ele comenta sobre o ep "Jô (조)", que possui a quintessência da pandemia, abordando temas como a distância, saudades dos encontros, do espaço do bar que na sua visão é uma coisa quase sagrada, comparável a reuniões de família, os encontros no bar seriam como encontro de irmãos. Segundo ele, esse foi um "boom" na sua trajetória, ampliando o alcance do seu trabalho e fazendo chegar em pessoas como Victor Xamã e nabru.
Ele finaliza com um causo pandêmico de como sua música quase foi parar no programa Conexão Lab, apresentado pela cantora Céu no canal da Twitch da Lab Fantasma, gravadora dos rappers Emicida e Fióti.
“Uma vez ela abriu um concurso, você postava a música no instagram e as três pessoas escolhidas tinham as músicas mostradas no programa. Depois as pessoas votavam em quem elas achavam mais pertinente ter a música inteira tocada”, comenta. E completa: “Eu mandei [a minha música], acho que foram quase quinhentas pessoas participando. Aí me chamaram e eu fiquei mó assustado porque na época eu tinha 19 anos e não acreditava que esse tipo de coisa podia rolar comigo. Aí no dia eu chamei uma galera pra assistir e foi um puta rolê, eu lembro que o Criolo e o Emicida tavam assistindo. Mas no fim a live travou tanto que a Céu falou "gente, não vai dar pra passar as músicas".
Thito continua: “O produtor da Lab me mandou mensagem pedindo desculpa, falando que na semana seguinte ia passar, mas chegou na semana seguinte, nem rolou. Ela fez outra entrevista e acho que acabaram esquecendo, pularam esse rolê. Mas a partir dali virou a chavinha e eu sabia que eu tava no caminho certo, eu só precisava me profissionalizar. Saber com quais pessoas caminhar e trabalhar, saber o que fazer, porque eu sabia que ia ser "eu por eu" e aquela famosa frase ‘nóis por nóis’. Mas infelizmente "nóis por nóis" até a página dois porque a gente vai conhecendo a galera no meio artístico e às vezes é um ambiente meio hostil. Nem falando do cenário do Rap, porque nele eu conheci muita gente bacana, mas música no geral. Eu sinto que o formato da indústria no Brasil é uma coisa que funciona literalmente a base de vários privilégios, as pessoas se alavancam ao custo de muita grana ou ao custo de conhecer muita gente”.
Ele finaliza: "eu preciso vencer como o tipo que conhece muita gente, porque a base do dinheiro não vai ta rolando". E ri.
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