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Rock matemático, pós punk e o clássico: Vinco, Inês é Morta e Riste em Floripa

6 de setembro de 2024

Texto: 

@anaquinto__

Imagens: 

Fabrício Miranda, Felipe Apezzatti, Ana Quinto

Dia primeiro de junho, final de outono em Florianópolis. Três bandas se preparavam para subir aos palcos pela primeira vez na capital de Santa Catarina, no já tradicional Haôma Baixo Centro – casa que tem recebido a maioria dos shows da cena alternativa, na avenida Hercílio Luz.

As bandas Vinco e Inês é Morta chegavam da caótica São Paulo. A Riste vinha de Curitiba, a apenas algumas horas de Floripa. Os três grupos apresentam gêneros bem diferentes, mas movimentaram um público em comum da cena alternativa manezinha para assistir às suas estreias. 

Vinco

O show no Haôma com certeza foi um momento especial na memória da banda Vinco, já que foi a primeira vez que o quarteto formado por Matheus Ayres na guitarra, Henrique Porto na guitarra e synth, Hugo Ramalho no baixo e Gabriel Ribeiro na bateria se apresentava fora de terras paulistas. Esse foi um dos pontapés para a banda chegar em outros lugares: no mês de agosto, também se aventuraram no Rio de Janeiro.

Um dos objetivos da Vinco é apresentar o seu primeiro disco, "Sinestesia", em novas cidades. Lançado em novembro de 2023, o trabalho traz como proposta principal o Math Rock, inspirado em bandas como Elephant Gym, de Taiwan, e a banda Tricot, do Japão.

"A gente escolheu Florianópolis porque a gente já sabia, de colar em alguns rolês, sobre as bandas daqui e tinha algumas que a gente ouvia. Tocamos com a Quazimorto [banda de hardcore catarinense] ano passado e isso criou uma conexão que começamos a pensar em vir para cá", explica Ayres. 

A Vinco trouxe uma novidade para os manezinhos da ilha: apesar do underground crescer cada vez mais em Florianópolis, principalmente após a pandemia, o gênero de Math Rock ainda não havia ganhado espaço na cena local.

E assistir a banda ao vivo é uma experiência eletrizante, em uma mistura de sons, texturas e sentimentos novos que perpassam quem acompanha o show do quarteto. Ao vivo, as músicas do disco ganham ainda mais fôlego.

Nas imagens, Ayres nos vocais e guitarra, Hugo no baixo e Gabriel na bateria (foto: Fabrício Miranda)

Uma experiência sensorial

A Vinco é, certamente, uma daquelas bandas que você precisa assistir ao vivo, e não apenas ouvir só no Spotify. Cada integrante domina com maestria seus instrumentos, em sons complexos que misturam o improviso e trazem uma mistura de Rock com Jazz.

Apesar de alguns problemas técnicos terem acontecido no show do Hâoma – em um certo momento, os integrantes estavam até mesmo levando choque dos instrumentos – eles contornaram bem as dificuldades com uma performance que fez o público ficar vidrado.

"Eu acho que o lance da Vinco é que as pessoas se impressionam. Quando a gente vai tocar em casas de show, as pessoas perguntam 'quem canta aí?'".

A fala em tom de brincadeira do guitarrista Henrique explica como a música instrumental ainda não chega em todos os espaços. Estamos acostumados a sempre pensar em bandas com formações tradicionais, e a Vinco traz originalidade.

A Vinco já começou a pensar no seu próximo trabalho, que segundo eles, será diferente do Sinestesia. (foto: Fabrício Miranda)

Do tradicional ao underground

"Na cena de música instrumental de São Paulo tem uma tradição. Quando as pessoas ouvem falar de música instrumental, elas pensam em Hermeto Pascoal e Egberto Gismonti, bem voltado para o Jazz", explica Gabriel, o baterista do grupo. 

Para Hugo, baixista da Vinco, a graça está em trazer o instrumental para a cena alternativa. "O que eu acho interessante é essa ideia do improviso no underground. Cada um aqui tem fontes diferentes de música, e eu acho que isso conversa bem com os nossos improvisos. A gente tenta misturar várias coisas do que a gente ouve no nosso show". 

Agora, a banda se prepara para alçar novos rumos. "O ciclo [do disco Sinestesia] está terminando, e vamos partir para uma nova parada agora", conta Ayres. "A ideia é um álbum cheio, com mais duração e mais músicas."

Inês É Morta

As faixas do primeiro álbum do grupo começaram a ser desenvolvidas na pandemia. (foto: Felipe Apezzatti)

Na frente do palco, à espera de Inês é Morta, se concentravam pessoas vestidas de preto e com maquiagem gótica. A ansiedade era grande para assistir o grupo pela primeira vez em Florianópolis. 

Em uma performance que o som oitentista do Pós-Punk com influências paulistanas, o quarteto apresentou faixas do seu primeiro disco, "Ilha", e singles lançados anteriormente pela banda, que é formada por Camila Kohn nos vocais, Daniel Lima na guitarra, Lucas Krokodil no baixo e Danilo Grilo na bateria.

Liderados pela voz marcante e pela personalidade da vocalista Camila, a banda Inês é Morta nos leva para um escapismo no tempo durante a sua performance. Esse sentimento vem em parte do Pós-Punk, gênero que traz velocidade, nostalgia e o caos das grandes cidades.

"Eu acho que para além da gente ter essa coisa especificamente com São Paulo por a gente ser de lá, de maneira geral acabamos trazendo uma sensação meio urbana de urgência, de coisas caóticas e ações se sobrepondo. Tem muito a ver com esse movimento", explica a vocalista.

Apesar de se encaixarem no gênero do Pós-Punk, um dos que mais chama a atenção na cena do underground ao lado do Hardcore e do Shoegaze, a banda prefere não se nichar. Eles gostam de transitar em vários espaços e tocar em rolês com outros grupos que fazem um som diferente do seu. "Em São Paulo são muitas bolhas próximas umas das outras, então no fim todo mundo se conhece. Aí o cara que é gótico vai no rolê de Punk, por exemplo", diz o guitarrista Daniel.

"A nossa viagem é exatamente isso, fazer colaborações com outros artistas que não são necessariamente da cena gótica ou do Pós-Punk. Nós também temos influências que não são desse tipo de som. A gente ouve de tudo", completa Danilo, baterista.

A jornada

Formada em 2018, Inês é Morta já passou por diversos estados do país. De Minas Gerais, Rio de Janeiro à Paraná, o grupo consolidou uma longa estrada antes de lançar o seu primeiro trabalho de estúdio, "Ilha", que chegou nas plataformas em setembro de 2023.

O baixista Lucas revela que o disco começou a ser trabalhado durante a pandemia. Já que a maioria das pessoas estavam em casa e não era possível fazer shows, a banda aproveitou o momento para ir até o estúdio produzir as faixas. 

O álbum de estréia conta também com participações de nomes consolidados da música brasileira: Edgard Scandurra, por exemplo, participa da música "Vida em Paranoia".

Como os shows na pandemia foram interrompidos, o quarteto usou esse tempo para compor uma parte das músicas que entraram no disco. "Tem algumas músicas que são mais brisa, outras menos, mas acho que faz parte de um momento que é bem da volta da pandemia", conta Danilo. 

Riste

Gabriel de Lara, baixista da Riste. (Foto: Ana Quinto)

A Riste chegou de terras paranaenses. Naquela noite, o grupo formado por Régis Cardoso na guitarra e nos vocais, Gabriel de Lara no baixo e Rafael Mello na bateria apresentaram no Haôma Baixo Centro um som clássico de Punk Rock, marcado por ritmos acelerados e letras que abordam política e sociedade.

A banda tem tudo a ver com o palco do Haôma: o seu som lembra o de outros grupos de Florianópolis que já se apresentaram no mesmo lugar, como Fiscais de Cu. 

O grupo surgiu oficialmente em 2018 – o primeiro EP, intitulado apenas de “Ep01”, traz uma ilustração do ex-presidente Jair Bolsonaro, com chaminé e fumaça saindo de sua cabeça -, mas a ideia da banda iniciou antes, nos planos do vocalista Regis Cardoso.

“Digamos que comecei a estruturar o nosso som logo após o golpe contra a Dilma. Todo aquele show de horrores e a consolidação da extrema direita foi um combustível para criar uma banda antifacista”, revela, “compor músicas sem dúvida ajudou a cuidar da saúde mental naquele momento.”

O lançamento mais recente do grupo é o EP “7 conto”, lançado em dezembro de 2023. A arte da capa foi produzida pelo catarinense Paulo Jeca Schulz. "As letras representam um cotidiano real, que está estampado na cara da sociedade", explica a banda. 

A Riste traz em suas músicas temas como o machismo, a crise humanitária dos refugiados, a violência, e outras problemáticas da sociedade. Os integrantes se dividem entre a Região Metropolitana de Curitiba e o município de Campo Largo. 

As suas vivências têm influência direta nas letras do grupo. O single “Portelinha”, por exemplo, foi escrito durante a pandemia, com relato de moradores de uma comunidade da região central de Curitiba. “Isolamento social, vidas e condições longe do ideal / Quando não há saída, nem lugar para ir”.

“Tínhamos uma parceria com o MST, e eles faziam uma ação chamada ‘Do Campo para a cidade’. Era distribuído gás e alimento aos moradores em vulnerabilidade social. Nessas oportunidades, eu ouvia muitos relatos que depois entraram nas músicas”, conta. Para o grupo, o Punk ajuda a retratar, de forma crua e direta, esse contexto.

É bebendo das fontes do gênero que a Riste cria um som autêntico. Dentre as principais influências do grupo estão o street punk, o hardcore e bandas dos anos 90, como Rancid. “Lógico que somos uma resposta ao que foi criado por Ramones, Sex Pistols e The Clash”, explica a banda, “mas gostamos de navegar pelo universo libertário do Crass, Partisans e Conflict.”

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